segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Banco de textos - Leandro Muniz


Leandro Muniz
TEXTOS


Maluco, beleza?

Leandro Muniz

QUARTO DE HOSPITAL( OU NÃO, FICA EM ABERTO). AC E KEL, CADA UM EM SUA CAMA.

AC : Kel? Kel ?

Kel( sonolento ) : Oi

AC : Kel ,você tá dormindo Kel?

Kel: Não ,to acordado.

AC : Que pena.Eu queria falar um pouco sozinho.

Kel: Por que me chamou então?

AC: Pra saber se você estava acordado.

Kel : Você precisa de mim acordado para falar sozinho?

AC: Não, preciso de você dormindo.

Kel: Então por que me acordou?

AC: Porque eu queria falar com você, mas com você dormindo.

Kel : Parece doido. Boa noite.

KEL VIRA PARA O LADO, PARA DORMIR.

AC: Kel ? ô Kel? (pausa ) Kel ?

Dormiu Kel? Eu tive um sonho, não consigo dormir. Preciso falar com você. Kel? Dormiu. Graças a Deus! Pois agora não tenho escolha, terei que falar sozinho. Pois bem Kel, eu tive um sonho! Era ruim, mas era bom, triste mas alegre, frio mas quente, tipo sopa com refrigerante gelado. Começava tudo azul, de repente vinha uma bola preta e um monte de imagens estranhas, tipo a cara da Hebe com fome e o Bolsonaro no colo de um anão. Aí acontecia uma coisa boa danada de beleza bonita. Depois aparecia uma outra horripilante de querer enfeiar o mundo, feia feia feia. Qual que você quer ouvir primeiro? A feia? Então tá. Eu pesadelei que a gente saía daqui. Mas ninguém ficava triste, porque todo mundo saía também. Não era revolução não, era liberdade coletiva repentina, porque um certo doutor deu alta pra todos os pacientes do mundo. Do mundo todo! Ouviu? Ele era presidente do mundo e ainda por cima médico! Isso era a parte feia? Era não. A parte feia vem depois, porque todo mundo se achou no direito de se sentir doido, até mesmo quem era normal como os políticos, os flanelinhas, os botafoguenses, a gente e o mundo todo ... Espera! Deixa eu terminar, não me interrompe! Já é a quinta vez que você faz isso! Que sede é essa de se intrometer nas minhas histórias? Foi o sonho mais real que já tive! E olha que eu já pesadelei muito Kel, Kel?

Então.... Tava lá... o Doutor....

REPÓRTERES SE ACOTOVELAM PARA ENTREVISTAR DOUTOR.

Doutor : Muito bem senhores, alguma pergunta?

Repórter 1: Doutor, você quer nivelar cidadãos normais a pacientes com problemas psicóticos?

Doutor : Não , apenas ressaltar que nós , seres humanos , temos todos os tipos de patologias presentes no inconsciente, ou seja, a loucura está por toda a parte, portanto , somos todos iguais e viva a medicina!(sorri para a foto. Flash. )

Repórter 2: Mas doutor, por favor! A população corre sérios riscos! Vamos ter soltos assassinos em potencial! Pessoas que não conseguem distinguir realidade e devaneios, que podem sofrer e ter as suas doenças potencializadas pelo terror do nosso dia a dia e....

Doutor : ( corta)Você está se mostrando agressivo. Te fiz algum mal? É disso que estou falando. Estamos todos num lodo, afundados até o pescoço de preconceitos, opiniões formadas sobre o que é a vida psíquica saudável, normal. Mas nada do que acontece fora de um manicômio, nas ruas de nossa cidade, parece comum ou normal para mim. Portanto eu como presidente do mundo, e médico, assumo a responsabilidade, e decreto o fim dos hospitais psiquiátricos, e dou liberdade, a todos os internados, para que tenham chance a uma vida junto à sociedade, feliz e de oportunidades! E que ...

DOUTOR COMEÇA A ENGASGAR E FALAR PALAVRAS ESTRANHAS. A CENA SE DESFAZ.

AC: Esqueci. O discurso mesmo, inteiro, tim tim por tim tim eu não lembro bem porque esqueci. E você Kel, tá sonhando o que? Guarda e depois me diz. Que nem eu faço, que nem eu faço eu. O Doutor é que nem eu. Esperto, malandro, sabe o que dizer, ele sempre escolhe bem as palavras. Todos ficaram doidos com a decisão dele. Quer dizer, quem era doido continuou doido, e quem não era se sentiu como tal, porque o Doutor... Eu já contei isso. Lembrei! Você tinha uma namorada Kel, que você tanto fala. Jisustela! Quem?, perguntava o enfermeiro, e você dizia “ Ji ( suspiro) sus( suspiro) tela. O pai Jisus, a mãe Estela.

Pois eu encontrei Jisustela, e sabia quem era ela só do tanto que já ouvi você falar. Jisustela, Jisustela, Jisustela Jisustela, Jisustela, Jisustela, Jisustela ....Era ela! Andando de braço dado com um macaco de pelúcia, parecia uma doida. E pensar que você é ficou doido foi por ela.

E ela via na televisão o pronunciamento do presidente do mundo e se enchia de esperança de te reencontrar. Me aproximei, e disse:

SURGE JISUSTELA, ASPECTO DE MENDIGA COM SEGURANDO UM MACACO DE PELÚCIA. ( OU QUALQUER OUTRO BICHO QUE DÊ PRA ADAPTAR A PIADA)

AC: Ei

Jisus : Meu macaco não gosta de banana. Ele é de pelúcia. Você sabe onde vendem bananas de pelúcia?

AC : Não, mas posso descobrir, você não é a ...

Jisus : Você quer me comer não quer? Como todos os homens heteros normais que tem um pênis normal querem. Eu sou irresistível.

AC: Não, eu só queria...

Jisus: Que isso? Eu estou vendo uma ereção? Seu tarado. Preciso de uma loja de carpetes. Obrigada.

SAI JISUSTELA.

AC : E foi embora. Mulher mais doida que você arrumou hein. Ta na cara que banana de pelúcia não se acha em loja de carpetes, se acha em lojas de frutas de pelúcia. Essa deu sono, deu sono em mim, foi essa menina com macaco, o Doutor vai, esperto que nem eu, sonho longo demais pra contar todo agora....eu...

AC VAI FICANDO CADA VEZ MAIS SONOLENTO E DORME. KEL ACORDA ASSUSTADO.

Kel : AC? AC? Acho que tive um pesadelo AC! AC? Eu... (disfarça) to sem sono, acordei porque tá quente aqui... Meu deus, porque será que eu tenho sempre os mesmos pesadelos? Um homem vestido de espantalho me oferecendo um milho, me dizendo “Deixe eu introduzir em você, não vai demorar!”. E por que será que só consigo dormir quando você conta essas histórias ingênuas sobre o DOUTOR. O doutor não existe , se existisse não deixaria a gente mofando aqui.( se altera ) É muito romantismo da sua parte achar que alguém vai um dia perceber que nós estamos aqui por uma infelicidade do destino e que somos pessoas extremamente capazes de amar, viver em comunhão com os nossos colegas de enfermidade! Se é que temos tal enfermidade , e que temos uma família pra sustentar e que não cometemos nenhum assassinato, não que nos lembremos, e que o inferno...

AC ACORDA DE SUPETÃO.

AC: E se sonhássemos o mesmo sonho??

Kel : ( SE ASSUSTA) Quer me matar?

AC: Quero, digo, depois. Vamos tentar isso primeiro. E se eu tiver razão quanto a minha sensação de que esses meus sonhos são pura realidade?

Kel : Se você tivesse razão sobre algo que passa nessa sua cabeça de internado, esta não seria uma cabeça de internado, portanto você não seria você, e eu estaria aqui falando sozinho, como eu prefiro.

AC: Pois eu também gosto de falar sozinho, pesadelar sozinho, e de enfiar bulas de remédios nas narinas sozinho. Mas e se juntássemos as idéias e sonhássemos que o mundo é mais do que essas paredes brancas que nos cercam e que poderíamos comer chocolates novamente?

Kel : Não curto chocolates.

AC : Desisto. Boa noite.

Kel: Caixinha vermelha de passas?

AC: Ok... E que poderíamos comer caixinha vermelha de passas novamente...

Kel: E sopa de creme de alho.

AC: Tá, tá!Imaginou?

Kel: Não tenho tanta imaginação!

AC: Então eu vou dormir!

Kel: Deus é pai!

AC: Doido!

Kel: Sou eu!

ENTRA UMA MULHER VESTIDA DE ENFERMEIRA.

Kel: Mãe! Olha o Ac me enchendo o saco e não me deixando dormir!

AC: Mãe! Olha o Kel dizendo pra você que eu to enchendo o saco dele e que eu não o deixo dormir.

Mãe: Eu não sou a mãe de vocês. Eu sou a enfermeira do sonho que vocês estão tendo juntos. Isso aqui é um hospício, eu tenho o rosto da mãe de vocês e se vocês não acordarem logo pra ir pra faculdade isso tudo vai ficar cada vez mais absurdo.

Kel: o que seria mais absurdo que isso?

AC: Sei lá, um homem de vestidos e de brincos, fumando e cantando Milton Nascimento!

ENTRA UM HOMEM DE VESTIDO E BRINCOS, FUMANDO, CANTANDO MILTON NASCIMENTO.

Kel: Bora dormir.

Ac: Depois disso? Como?

Mãe: Calma meninos. Deitem. (para Homem de vestido) Saia, por favor.

HOMEM DES VESTIDO SAI, CANTANDO.

Kel: Mãe, a vida tem solução?

Ac: Mãe, como a gente vai sobreviver sem você?

Mãe: Dormindo.

MÃE COMEÇA A CANTAR “MALUCO BELEZA” E OS FILHOS VÃO ADORMECENDO . LUZ VAI CAINDO

FIM


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Detalhes

Leandro Muniz

HOMEM E MULHER NUMA ESPÉCIE DE AGÊNCIA DE PUBLICIDADE. MAS NÃO É OBRIGATÓRIO, PODE SER NUMA SALA QUALQUER. O IMPORTANTE É QUE ELES NÃO ESTEJAM EM CASA.

Mulher - Tem que ser com a música do Roberto Carlos?

Homem - Tem.

Pausa. Ficam pensando.

Mulher – Já sei. Um homem tocando violão na rua, ele vai andando, cantando “Detalhes”. Aí o trânsito para, as pessoas sorriem pra ele, até que vemos o carro.

Homem - Já não fizeram isso? Um cara tocando violão e andando pela rua? E se fosse um trio elétrico?

Mulher (ri) - Trio elétrico?

Homem - É. Passa um trio elétrico tocando um axé qualquer, multidão em volta. De repente, silêncio total. Surge um cara no carro com um phone de ouvido grande (mexe a cabeça, com as mãos no ouvido, simulando) cantando “Não adianta nem tentar me esquecer...”

Mulher - Acho brega. Meio desconexo. Por que a gente não bota umas imagens aéreas da estrada, a música rolando e uma família sorridente e feliz, meio “olha como somos um casal fofo que tem um carro incrível e viajamos com as crianças nas férias”.

Homem - Pode ser. (t) Não sei, parece meio ideia fácil, já vi em algum lugar...

Mulher - Se a gente ficar tentando ser cem por cento original, vamos ficar aqui até amanhã.

Homem - Ótimo, então a gente fica! Porque eu não vou colocar família “felizinha” viajando. Meu trabalho não é ser óbvio, Juliana!

Mulher - Mas o que você quer fazer? Acha tudo chato!

Homem - Eu acho que falta humor.

Mulher -. Mas a música não é engraçada.

Homem - Caguei, tem que ser fofo, legal e ter humor! Senão vai ser frustrante.

Mulher - Por que?

Homem - Porque a música é ótima, vão pensar: estragaram a música linda.

Mulher – Humor? Então faz assim. Põe um casal de anões namorando, se alisando carinhosamente. Um diz pro outro: detalhes tão pequenos de nós dois.

Homem - Juliana...

Mulher - Perdi a paciência, você é muito intolerante!

Homem - Seu sarcasmo não ajuda.

Mulher - Nenhuma ideia te agrada, mas você também não resolve. Assim é fácil ser chefe.

Homem - É assim que você me vê?

Mulher - Agora você já sabe!

Homem - É o fim ter intimidade.

Mulher - Poderia ser bom. Bastava você ser educado ao invés de estúpido, quando achasse uma ideia ruim.

Homem - Eu fui educado agora.

Mulher - Mas mais cedo quando eu disse que podia ser uma viagem de cruzeiro, com show do próprio Roberto Carlos rolando, e daí um homem via a foto do carrão e dizia: “preferia estar nesse carro ouvindo a música pelo rádio”. Você disse que a ideia era ridícula, que se eu não fosse sua esposa, você me demitia.

Homem – Era péssimo, mas eu tava brincando.

Mulher - Brincando o cacete.

Homem - Eu gosto quando você franze a testa quando tá nervosa.

Mulher - Eu gostava quando você era mais gentil. (suspira, sem paciência)

Homem - Gosto quando você dá esse suspiro como quem diz: “ai, Gabriel, Gabriel...”. Adoro.

Mulher - Eu quero me separar.

Homem - Gosto quando você tenta... O que?

Mulher - Me separar de você. Acabar com tudo, não quero mais viver junto, muito menos trabalhar com você.

Homem – O que que você tá dizendo?

Mulher – Que eu cansei de ser sua empregadinha em casa e sua secretariazinha aqui. Acabou! Eu quero romance, um homem que morra por mim, que não ache ridículo tudo o que eu falo, que trepe comigo quatro vezes na semana pelo menos, que me paparique, que seja suave, gentil, mas que tenha um tesão descontrolado quando necessário, que abra a porta do carro, que me dê presentes criativos, que tenha atenção voltada para as pequenas coisas, que torne cada minuto da nossa convivência inesquecível, que me elogie, que pergunte como tá a minha mãe, porque somos um casal fofo, com um carro incrível que viaja com os filhos nas férias. ( pausa) É, acho que é isso que eu quero.

Homem – Juliana...

Mulher – Mas você acha que isso parece meio ideia fácil, né? Que você já viu em algum lugar. Onde você viu?

JULIANA PEGA A BOLSA PRA IR EMBORA.

Homem - Você tá se demitindo?

Mulher - Sim, da agência e da vida conjugal.

Homem - É piada isso?

Mulher - Não tava faltando humor?

JULIANA VAI SAINDO.

Homem – Gosto quando você quer ir embora, mas não consegue. Gosto quando você percebe que não vai me encontrar em outro rapaz, por mais parecido comigo que ele seja. Gosto quando você desisti de ir, porque ama minhas grosserias tanto quanto minhas delicadezas.

ALDO COMEÇA A CANTAR AO FUNDO (“Não adianta nem tentar, me esquecer...”)

Homem – A música entra. A moça desiste de ir embora. Se vira para ele. (mulher se vira para Homem), larga a sua bolsa (mulher larga a bolsa no chão), ele diz que o que mais quer dessa vida é ter quarenta e sete filhos com ela (eles caminham um em direção ao outro), envelhecer paparicando essa mulher.

Mulher – Ela finge que acredita e começa a caminhar em sua direção, meio irresponsável.

Homem – Ele para com um carro em frente a ela, com os quarenta e sete filhos loiros e fofos no banco de trás. Ouvimos o ronco do calhambeque.

Mulher – Nós vamos pra São Pedro da Aldeia de novo? Ela pergunta.

Homem – Ele diz que não. Que eles vão até o aeroporto no carrão. E vão viajar pelo mundo inteiro.

Mulher – Com as quarenta e sete crianças?

Homem – Licença poética.

Mulher – Ela aceita e entra no carro.

Homem – Música aumenta. Locutor fala: Blader. O novo carro da Fox. Para quem ama de verdade.

Mulher – Meio óbvio.

Homem – Era isso que eu queria.

HOMEM SE APROXIMA DE MULHER. OS DOIS SE BEIJAM.

ALDO, CANTANDO, ANDA E PASSA POR ELES DURANTE A CENA. ELES PARAM DE SE BEIJAR E SORRIEM PRA ALDO. VOLTAM A SE BEIJAR, E PERMANECEM ATÉ QUE ELE ENCERRE A CANÇÃO.

BLACK OUT.

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LEANDRO MUNIZ
Mulher com 'a' no fim do nome faz mais sexo, diz pesquisa
SITE TERRA.COM – 26 DE NOVEMBRO

E mande a mídia à merda
Leandro Muniz

HOMEM e MULHER estão sentados em um bar.

HOMEM
Então Michele... Eu te trouxe até aqui, porque eu preciso falar uma coisa muito séria.

MULHER
Fala.


Pausa.

MULHER
Tá sem coragem, né? Foi a manchete de jornal que você leu, não foi? Fala! Ficou impressionado com a manchete e tá mudado comigo!

HOMEM
Você tá enganada. Não tem a ver com aquela notícia que acabou de apareceu no telão. Mas sim com esta.


Homem mostra um jornal para MULHER.


MULHER (lendo)
Mulheres com “ch” no nome são mais infiéis, diz pesquisa?

HOMEM
Eu não confio mais em você Michele.

MULHER
Pelo amor de Deus, Washington! Você não pode se deixar influenciar por tudo que você lê e ouve por aí.

HOMEM
É uma pesquisa embasada...

MULHER
Desde que começamos a namorar você deixa as pessoas se meterem na nossa vida.

HOMEM
Uma pesquisa séria, minuciosa...

MULHER (meiga)
Você muda de opinião como quem espirra meu amor. Para de se preocupar desse jeito com as opiniões alheias. Olha pra mim (o pega pelo braço) Não vamos deixar a mídia controlar as nossas vidas. Promete?

HOMEM
Eu não sei se consigo Michele. Olha aqui.

HOMEM pega uma pasta, começa a tirar jornais e revistas de dentro dela e a lê-las.

HOMEM (lendo)
Mulher com 'e' no fim do nome finge orgasmos constantemente, diz pesquisa.

MULHER
O que você está insinuando?

HOMEM
Olha essa outra Michele: “Mulheres que tem o nome começado com a letra ‘m’, seguida de ‘i’, costumam roubar namorados quando eles estão dormindo”.

MULHER
Mas isso é um absurdo! Isso é um tablóide sensacionalista!

HOMEM
E essa aqui? “Mulheres que têm a letra ‘m’ seguida de ‘i’, mais ‘ch’ e não tem ‘a’ no final, estão propensas a assassinar pessoas no trânsito em dias de chuva”.

MULHER
Isso não prova nada! Você não vê que isso é mais um exagero da mídia, uma fantasia? E nem é tão específico assim, como você pode acreditar?

HOMEM
Ah, tem essa: “Mulheres que chamam Michele, que namoram homens de nome Washington, (que tem cabelo liso curto, de roupa azul...etc...Descrever fisicamente a atriz da cena...) e que tentam com veemência mudar a opinião do namorado por ele acreditar demais em manchetes de jornais que a comprometem e revelam sua personalidade, não são confiáveis e devem ser evitadas”.

MULHER ( chocada, pega o jornal das mãos dele)
Quem escreveu isso? Olha, Washington. Eu sinceramente, não sei mais o que fazer. Você está impressionado com a imprensa brasileira, é só isso.

HOMEM
Desculpe Michele. Mas eles estão apenas fazendo o trabalho deles.

MULHER
Então é isso? É assim que vai acabar tudo? Já se decidiu?

Mulher começa a chorar.


HOMEM
Peraí, Michele. Calma.

MULHER
Não, não fico calma não! Quando o Elerson veio fazer fofoca sua, dizendo que você tinha pegado a Mirtes, eu acreditei? Hein Washington? Não, eu não acreditei porque confio em você.

HOMEM
Fez bem, eu não tenho nada com a Mirtes.

MULHER
Pois bem. No dia que seu tio, insinuou que tinha te pego no flagra... Aquela história de você pelado com seu primo na piscina dançando música lenta, eu acreditei? Não Washington, eu não acreditei.

HOMEM
Fez bem, porque eu não sou homossexual.

MULHER
O dia em que eu te vi mexendo nas minhas coisas, no dia seguinte que tinha sumido cinquenta reais da minha carteira e logo depois reapareceu do nada na minha bolsa, e você me disse que não tinha sido você, eu acreditei não foi?

HOMEM
É, você acreditou. Mas fez bem, eu tava só procurando um trident.

MULHER
Tá certo Washington. E no dia que você tava arrastando aquele corpo dentro de um saco plástico, deixando um rastro de sangue na sala da sua casa, e disse que era apenas pra ajudar sua irmã na aula de anatomia dela, que era só um corpo usado nas aulas da faculdade, mesmo ele tendo gemido e eu escutei Washington! Eu acreditei em você, não acreditei?

HOMEM
Acreditou Michele, mas...

MULHER
Eu sou companheira, apoio você em tudo, tudo! E você me retribui como? Me jogando essas manchetes de jornal na cara?

HOMEM
Não, Michele...

MULHER
É isso mesmo! Você é um ingrato safado, bissexual, assassino e ladrão, é isso que você é!

HOMEM
Michele, por favor, não se descontrole.

MULHER
Quem tá descontrolada aqui seu cretino, estelionatário, bicha louca enrustida, matador de aluguel?

HOMEM
Michele, pare com isso. Você não tem provas!

MULHER
E você tem alguma? Só porque saiu no jornal não prova nada Washington! Nada! Nada! Prova nada!

MULHER pega as revistas de Washington e começa a jogar tudo pra cima, rasgar algumas, jogar nele...etc...

HOMEM
Para com isso Michele.

MULHER
Eu te amo Washington, diz que não vai me largar!

HOMEM
Eu acho melhor você se acalmar e conversamos outra hora.

MULHER
Eu quero resolver isso agora!

MULHER pega um arma da bolsa e aponta para HOMEM.

HOMEM
Que isso Michele?

MULHER
Uma arma cenográfica. ( ps: isso é só uma piada, é bom que a arma pareça de verdade)

HOMEM
Você não faria isso, faria?

MULHER
Você não vai me largar Washington, vai?

HOMEM
Abaixa essa arma!

MULHER
Eu te amo Washington!

HOMEM
Então larga a arma e vamos conversar.

MULHER
Não. Você já se decidiu e eu já me decidi!

HOMEM
Larga a arma Michele!

MULHER
Eu odeio a mídia!

MULHER atira em HOMEM que cai. MULHER se arrepende e corre em direção ao corpo.

MULHER (chorando)
Washington? Washington? A arma funcionou?Não! Washington?


Passagem de tempo ( pode ser um Black out)
Entram dois homens, um deles está lendo o jornal.

HOMEM 1
Jair?
HOMEM 2
Oi.
HOMEM 1
Escuta essa aqui: “Mulher mata namorado por causa de fim de namoro. Michele de Oliveira atirou no namorado com uma arma cenográfica achando que ele não morreria. Testemunhas afirmam que ela gritou ‘eu odeio a mídia’ e se arrependeu depois de ter dado três tiros no sujeito. Presa, ela o acusou de roubá-la, sumir com um cadáver e manter pederastias com os primos.

HOMEM 2
Esse pessoal não sabe mais o que inventar pra vender jornal.


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Sem noivo, taiwanesa pretende se casar sozinha

SITE G1 – 27 DE OUTUBRO

AMOR PRÓPRIO

Leandro Muniz

Mulher vestida de noiva entra em cena sozinha, ao som da marcha nupcial. Ela está no centro do palco, ao fundo, e vem andando a frente, acenando com a cabeça para os dois lados, como se cumprimentasse seus convidados. Chega até o proscênio.

PADRE ( EM OFF)

Marina de Almeida Lucinda Pereira. Aceita Marina de Almeida Lucinda Pereira como sua legítima esposa, prometendo amá-la e respeitá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, todos os dias de suas vidas, até que a morte as separe.

MULHER

Sim.

PADRE ( EM OFF)

E você Marina de Almeida Lucinda Pereira. Aceita Marina de Almeida Lucinda Pereira como sua legítima esposa, prometendo amá-la e respeitá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, todos os dias de suas vidas, até que a morte as separe?

MULHER ( suspira, emocionada)

Sim.

PADRE ( OFF)

Então, pelo poder a mim concedido, eu vos declaro mulher e mulher. Marina, pode beijar a noiva.

Música emocionante. Marina levanta o seu véu, fecha os olhos, e faz um biquinho como se fosse beijar uma pessoa ao lado. Em seguida, leva as mãos ao rosto, beijando-as, segue beijando as mãos, os braços, e as partes que alcança do próprio corpo, numa felicidade louca. Depois abre os braços e roda feliz e pulante pelo palco. Vai até o proscênio, fica de costas para o público e joga o seu buquê. Música para. A partir desse momento, Mulher fala sozinha. Usarei o personagem Mulher 2 para realçar a mudança de entonação de um personagem pro outro. A atriz deve fazer os dois personagens distintos, como se cada um tivesse um corpo e movimentação independente do outro.

MULHER

Essa é a nossa nova casa Marina. Gosta?

MULHER 2

Não acredito meu amor, parece tudo um sonho, fantasia!

MULHER

Fantasia que nada Marina, esse sonho é só nosso.

MULHER 2

Promete que vai me fazer feliz? Que nunca vai me fazer sofrer?

MULHER

Prometo que vou te fazer feliz, que nunca te farei sofrer. Prometo que vou te dar filhos lindos, uma família encantadora, te prometo meu coração inteiro, aberto, disponível, disparado sempre ao olhar esses olhos de mar agitado. Marina...

MULHER 2

Promete mesmo?

MULHER

Claro!

MULHER 2

Mesmo mesmo, assim sem medo de prometer?

MULHER

Prometo!

Mulher se abraça e suspira feliz.

MULHER

Chegamos!

MULHER 2

Onde?

MULHER

Lua de mel em Bahamas!

MULHER 2

Queria tanto Paris, mas ok, aceito.

MULHER

Paris a gente vai depois quando você estiver grávida do nosso primeiro filho, lembra?

MULHER 2

Você planeja tão bem as coisas!

MULHER ( quase susurra)

Tõ morrendo de tesão Marina...

MULHER 2 ( olhando em volta)

Para Marina! Tá todo mundo olhando.

MULHER ( safada)

E desde quando você se preocupa com todo mundo? Sua safada..

MULHER 2 ( Ri, gostando)

Para Marina, que louca você. Para.

MULHER

Vem aqui vem...

MULHER 2

Não...

MULHER

Que foi?

MULHER 2 (agressiva)

Você tá ausente, que que tá acontecendo?

MULHER ( com raiva)

Eu to desempregada! Acha fácil segurar a onda?

MULHER 2

Se vira pra cuidar de mim e dos seus filhos!

MULHER ( tenta encostar na outra)

Você tá tão fria Marina, a gente nem se toca mais...

MULHER 2( se afasta como se tirasse a mão da outra)

Tira as mãos de mim sua canalha! Quem era aquela vagabunda?

MULHER

Do que você tá falando?

MULHER 2

Eu vi você arrastando as asas pra aquela piriguete de quinta. É o que que é? Nao me ama mais?

MULHER

Tá vendo? É esse teu ciúme doente que destrói nossa relação!

MULHER 2

Eu faço tudo por você, me dedico por completo.

MULHER

Eu estou me doando ao máximo e vem a sua mãe pra me dizer uma coisa dessas!

MULHER 2

Que escândalo Marina, é natal!

MULHER

Eu adorei o livro que você me deu. Por que as coisas não são como antes?

MULHER 2

Porque não podem ser como antes.

MULHER

Quem te disse isso?

MULHER 2

Todo mundo vive isso.

MULHER

Mas eu posso mudar.

MULHER 2

Eu quero me separar. Não é nada com você, sou eu.

MULHER

Não, sou eu.

MULHER 2

Sou eu.

MULHER

Sou eu.

MULHER 2

Sou eu.

MULHER

A culpa é minha, me perdoa!

MULHER 2

Eu já assinei a papelada. A culpa é sua!

MULHER

É sua.

MULHER 2

Pode ir embora, vai.

MULHER

Como você pode ser tão fria, Marina?

MULHER 2

Aprendi com você Marina.

MULHER

Não me deixa aqui sozinha...

MULHER 2 faz movimento de que vai embora. Entra Homem.

MULHER

Quem é ele?

MULHER 2

Um amigo.

MULHER

Marina, sua desgraçada!

MULHER 2

Eu tentei te contar!

MULHER

O que foi? Eu nao sou homem o suficiente pra você?

MULHER 2

Eu ainda te amo.

MULHER ( grita)

Eu te odeio. Some daqui!

MULHER 2

Sumo. E não adianta vir atrás de mim, ouviu?

Mulher 2 vira-se pra Homem.

HOMEM

Vamos?

MULHER 2

Vamos.

HOMEM

E ela?

MULHER 2

Ela vai entender.

HOMEM

Separação é sempre complicado, não é?

MULHER 2

É sim. Mas eu e ela vamos sobreviver.

HOMEM

Eu te amo.

MULHER 2

Eu também me amo.

Música romântica. Os dois se beijam.

Fim.

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Cão é suspeito de comer US$ 1.200 deixados em envelope
SITE G1 – 12 DE novembro
MUNDO CÃO
Leandro Muniz


Consultório médico. Mulher está sentada entre Marido e Irmã, diante de Doutor.


MULHER
...E desde então doutor Conde, ele não consegue voltar a sua vida normal. Está cismado com a ideia de que agora é um cão. Pela manhã mordeu mamãe e não queria mais largar.
Em seguida lambeu o nosso porteiro que foi obrigado a lhe dar um safanão. Ele ficou choramingando: (imita)“caim caim”, daí entrou debaixo da mesa da portaria e permaneceu lá por quase três horas. Eu mereço esse tipo de acontecimento a essa altura da vida? Olha aí, (OLHA PRA MARIDO, QUE ESTÁ QUIETO OLHANDO) nem fala mais! Não se comunica, só quer se esfregar na gente agora, lamber, latir... (chama o marido que não atende) Luis Carlos? Luis Carlos? Pelo menos agora ele tá mais calminho, dei ração pra ele.

DOUTOR
Bom dona Berenice, eu não vou mentir pra senhora. Nós estamos diante de um caso complexo.

MULHER
Sim, eu sei.

MARIDO
Au au!

Mulher joga um pouco de ração no chão. Marido sai da cadeira para comer a ração no chão.

DOUTOR
O caso mais parecido que tive conhecimento, foi de um homem que conversava com o próprio pênis. Certo dia, ele revoltou-se por achar que o pênis não respondia mais aos seus questionamentos e não ria mais de suas piadas. Inconsolável, ele cortou o membro fora com uma faca elétrica Tramontina.

MULHER
Sei. (t) Então o senhor acha que meu marido não tem cura?

DOUTOR
Difícil fazer um prognóstico tamanho o ineditismo desse acontecimento. Os sintomas são bem específicos, jamais vi algo parecido na vida. Talvez tenha assistido em algum filme ou peça de teatro da década de 80. Mas na vida real, nunca vi.

MULHER
Bem, se o senhor que é o especialista está falando isso... (Desespera-se) O que o senhor quer que eu faça com meu marido? Acha que não há esperança? (Avança pra cima de doutor que a segura pelos braços, ela se debate) Quem pode me ajudar? Eu estou desesperada! Por que meu Deus? Por quê? Por quê isso agora? Ai meu Deus, por quê?

DOUTOR
Acalme-se senhora! Por favor. É apenas um cachorro ãn, um inofensivo cachorro, acalme-se. Eu vou ajudá-la! Vamos curar o seu marido, ãn, por favor!

Doutor abraça Mulher.

DOUTOR
Pronto, passou.

MULHER
Tudo parece um pesadelo.

DOUTOR (susurra no ouvido dela)
Passou neném...

MULHER (saindo lentamente do abraço do Doutor)
Isso tudo me lembra a infância violenta que tive. Eu e meus irmãos apanhávamos toda manhã sem motivo. Ás vezes o motivo era não saber as capitais do país e os nomes dos principais afluentes do rio Amazonas: Tapajós, Xingu, Paru e Jari. Quando errávamos, éramos espancados com uma toalha molhada... Um taco de beisebol, uma marreta e um furador de gelo. Veja essa cicatriz. (Mostra-lhe a testa)

DOUTOR
Não estou vendo nada.

MULHER
A placa de platina disfarça um pouco o corte.

DOUTOR
Eu ajudarei o seu marido. (muda o tom e fica irritado) Mas que que isso? Ele tá fazendo xixi?

Vemos Marido ameaçando fazer xixi no canto do consultório.

DOUTOR
Que isso? Você não está em casa não rapaz! Tenha modos! Cachorro miserável! Desculpe dona Berenice, mas você precisa ensinar boas maneiras para o seu cão.

MULHER
Mas peraí, ele é meu marido! E isso ele faz desde sempre, doutor. Por favor, ajude o meu marido.

DOUTOR
Vou fazer tudo que for do meu alcance.

DOUTOR vai buscar em suas coisas uma coleira e entrega-lhe.


MULHER
Obrigada. Sabia que eu podia contar com o senhor.

DOUTOR
Traga-o aqui pra perto.

Mulher coloca a coleira em Marido e o traz pra perto de Doutor.

DOUTOR
A sua irmã não fala nada?

MULHER
Ela é muda.

IRMÃ
Pó pó...

DOUTOR
Não é não.

MULHER
É sim.

IRMÃ
Pó pó pó...

DOUTOR
Não é, absolutamente. Acabei de ouvir sua voz, nitidamente.

MULHER
Foi impressão sua.

DOUTOR
Não foi não.

IRMÃ
Póooo!

DOUTOR
Olha aí, de novo!

MULHER
Ela tossiu!

DOUTOR
Ela imitou uma galinha!

MULHER
O senhor está impressionado.

DOUTOR (irrita-se um pouco)
Eu? Com o que?

MULHER
Com o meu marido cachorro.

DOUTOR
Não estou não. Eu ouvi muito bem. Ela fazia um barulho semelhante a uma galinha.

IRMÃ
Pó pó pó pó pó.

Irmã continua fazendo sons de galinha, em volume baixo, durante os próximos diálogos. Mulher fica constrangida.

DOUTOR
Então ela é muda?

MULHER
Perfeitamente... Muda.

DOUTOR
Bom, nesse caso, dona Berenice, devo lhe informar que a sua irmã muda está imitando uma galinha no meu consultório, enquanto a senhora segura o seu marido por uma coleira.

MARIDO
Au au au au!

MULHER
É, de fato esse não é meu melhor momento.

DOUTOR
Peça pra ela parar por um instante. Preciso de silêncio pra examiná-lo.

MULHER
Claro. (vira-se para a irmã) Manoela. Você poderia, por favor, parar de imitar uma galinha que o doutor Conde quer examinar o Luis Carlos?


Irmã para de imitar galinha e fica em silêncio. Doutor pega um estetoscópio e começa a examinar Marido.

DOUTOR
Respira fundo e solta.

MARIDO
Au!

DOUTOR
Agora, respira fundo e prenda.

MARIDO
Au au.

DOUTOR
Ótimo. Coloca a língua pra fora.

MARIDO
Au au au au!

DOUTOR
Diga trinta e três.

MARIDO
Au au au.

DOUTOR
Perfeito.É... Foi o que eu imaginava.

MULHER
O que ele tem doutor Conde?

DOUTOR
Seu marido está apenas estressado. Leve- o para passear. Pode ser na sua rua mesmo, mas claro, se for na Lagoa vai ser mais divertido pra ele. Fique pelo menos essa semana sem falar sobre filhos, dinheiro, contas, problemas da casa, sua mãe, etc. Fale só de coisas boas. Seu marido quer carinho Berenice. Jogue um pouco de bola com ele, jogue a bola longe pra ele correr atrás e pegar pra você. Na areia da praia, hein? Que delícia. Se não houver melhora, (entrega-lhe um cartão) leve-o no doutor Marcius. É o melhor veterinário da cidade.

MULHER
Obrigado doutor Conde. Eu não sei o que seria de mim sem você.

DOUTOR
Imagina. Qualquer coisa entre em contato.

MULHER
Vamos Luis Carlos.


Marido ameaça avançar em Doutor e fica grunhindo. Doutor sai de cena, constrangido.

MULHER
Vem Manoela.

Irmã fica olhando para Mulher, paralisada.

MULHER (para Irmã)
Você não vem?

Irmã fica olhando pra ela, paralisada.

MULHER
Manoela, você tá me irritando. Você vem ou não vem?

Irmã continua olhando pra ela, paralisada.

MULHER
Eu perdi a paciência com você. Fica aí sozinha brincando de bichinho, sua maluca!


Mulher sai com Marido latindo. Irmã confere a sala pra ver se está só, e retira com as mãos um ovo debaixo do próprio corpo. (A idéia é que ela tenha botado um ovo mesmo, de verdade).
FIM.


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Anatomista alemão vende partes reais de corpos pela internet
YAHOO NOTÍCIAS

ÓRGÃOFÁCIL. COM
LEANDRO MUNIZ

HOMEM e MULHER estão deitados numa cama. Ela de roupão, ele de cueca, camisa, e as calças arriadas. Acabaram de transar.


MULHER
Você não fala nada?
HOMEM
Nossa, maravilha!
MULHER
Sério que achou isso?
HOMEM
Claro, você não viu como eu tava?
MULHER
Vi, mas sei lá, normal né?
HOMEM
Como normal?
MULHER
Como todo homem que goza. Você gemeu, gritou, me agarrou, pressionou a pélvis, tirou todo o meu lençol do lugar, machucou um pouco meu cabelo, mas tudo bem, normal.
HOMEM (perplexo)
Sei.
MULHER
Mas você não falou nada, achei original.

HOMEM
Achou?
MULHER
Geralmente os homens querem saber de sua performance.
HOMEM
Não é meu caso.
MULHER
Que bom!
HOMEM
Na verdade, se quiser falar, eu até ouviria.
MULHER
Você foi bem regular
HOMEM
Como?

MULHER
O beijo bem mais ou menos, oral super travado e rápido, achei que você até tem pegada, mas na boa, não transaria com você de novo.
HOMEM
Mais alguma crítica?
MULHER
Não, você até leva jeito.
HOMEM
Terminou?

HOMEM recolhe suas roupas e começa a se vestir.

MULHER
Não precisa se magoar.
HOMEM
Imagina, nem te conheço!
MULHER
Posso te dar uns toques, se você quiser.
HOMEM
Não faz o meu tipo.
MULHER
Voce é do tipo orgulhoso?
HOMEM
Não, você não faz meu tipo!
MULHER
Explique.
HOMEM
Bem rapidinho, pode ser?
MULHER
Tanto faz.
HOMEM
Só pensava em gozar logo e ir embora.
MULHER
Até parece! Tá de vingancinha? Só porque não te achei o máximo?
HOMEM
Você não me achou o máximo. Nem eu te achei. Simples assim.
MULHER
Simples e sincero.
HOMEM
Pois é
MULHER
Como tudo deveria ser.
HOMEM
Fim.
MULHER
Sabe o que eu acho?
HOMEM
Que a sinceridade não tem limites?
MULHER
Que você pode aprender sobre mim, e eu sobre você...
HOMEM
Aprender ouvindo o quanto eu sou regular?

MULHER
Aprender sobre meu corpo.

MULHER pega uma folha de papel e uma caneta. Começa a desenhar. HOMEM observa perplexo.

MULHER (desenhando)
Olha, aqui ta vendo aqui? Essa aqui sou eu. Coração, costelas. Esse é o fígado, ta vendo? Adoro desenhar os órgãos por dentro, sabe? Eu sempre fazia isso quando criança. Então... Esse é o meu aparelho reprodutor. (aponta com a caneta) Se você vier lambendo por aqui é uma coisa, mas se vier por aqui, meu Deus, é outra “compleeeetamente” diferente!
HOMEM
Entendi
MULHER
Me dá teu dedo.

MULHER pega o dedo de HOMEM e começa a esfregá-lo sobre o desenho no papel.

HOMEM ( envergonhado)
Ai, dá aflição.
MULHER
Entende quando eu falo regular? É tipo ordinário. Pode virar extraordinário se aprender.
HOMEM
Entendo completamente.
MULHER (meiga)
Sabe, eu adoro me aprofundar nessas questões anatômicas, sabe? Eu tenho um estudo aprimorado sobre técnicas sexuais, eu adoro essas coisas.
HOMEM
Interessante...
MULHER
Você topa aprender umas coisinhas comigo? Se interessa?
HOMEM
Claro, parece bem instigante.
MULHER
Ok. Hellen van Royen! Ibsen!

Entra um casal, Hellen van Royen e Ibsen, vestindo jalecos brancos, toucas brancas e luvas cirúrgicas. Ibsen segura Homem a força. Mulher pega uma cadeira. Mulher e Ibsen sentam Homem e o amarram. Hellen Von royen filma tudo. Ele usa luvas cirúrgicas, e ela segura uma prancheta e caneta.


HOMEM ( apavorado)
O que que isso?! Que que tá acontecendo?
MULHER
Eles trabalham para mim. ( chama- a, ordenando) Hellen van Royen!
HELLEN ( com sotaque alemão)
Sim senhora.

MULHER
O site já está no ar?
HELLEN
Já estamos senhora.
MULHER
Ótimo. Prepare-se que entraremos ao vivo. Ibsen! Explique as regras para o rapaz.

IBSEN (irritado e pegando homem pelo braço a força)
Re femijick boay ejiobeck párin.

HELLEN (traduzindo pra Homem)
Ele disse que se você ficar calmo, podemos tentar tirar apenas alguns órgãos do seu corpo de maneira que você não sinta tanta dor. Mas se ficar se comportando como uma criança desprotegida, longe das asinhas dos pais super protetores que não o deixaram entender e apreciar as dificuldades naturais da vida e fizeram com que você se tornasse um adulto mimado e despreparado, você vai sofrer muito, porque nós não estamos nesse negócio por brincadeira.

HOMEM (chora, desesperado)
Gente, olha só, chega disso hein....

Ibsen amordaça o rapaz.

MULHER
Vamos começar? Hellen? (Vai para Homem, irritada como quem fala entre os dentes) Sorria. Você ainda tem tempo pra sorrir, aproveite.

HELLEN (com a câmera)
Vamos lá. Cinco segundos. Cinco, quatro, três, dois, um. No ar.

MULHER (muito simpática e sorridente)
Olá amigos internautas! Estamos começando mais uma oferta de nosso site orgãofácil.com, aqui não tem fila de espera, nós temos sempre as melhores ofertas do mercado. Descobriu que precisa de um implante? Tá com um parente na fila de órgãos e ele tá quase batendo as botas? Entra em contato conosco. Nós temos sempre uma notícia fresquinha pra você. Vamos ver o que nós temos hoje. Filma aqui Hellen.

Hellen filma Homem amordaçado. Homem geme baixo e chora na cadeira.

MULHER ( muito feliz)
O que temos aqui? Um doador espontâneo! Olha a alegria dele gente, que delícia! E atenção pra lista que ele mesmo deixou com a produção dos órgãos que ele quer doar: ( ela pega um papel e lê) Fígado( Ibsen aplaude) rim( ibsen aplaude) pulmão(Ibsen aplaude), coração( Ibsen aplaude)... (Mulher fala rapidinho) Esôfago, pâncreas, cérebro, bexiga urinária e pênis!

A luz vai caindo lentamente, enquanto ela continua falando.

MULHER
Ibsen já vai buscar a nossa serra elétrica Power safed, pra depois do comercial a gente começar a ( muda o tom) Separação dos órgãos online! Fique ligado. Orgãofacil.com, aqui você só doa, se quiser.

Barulho de serra já no escuro. Gritos de Homem.



Fim.


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AXÉ TALIBÃ
Leandro Muniz



Um homem vestido com roupas do movimento talibã, estilo “Bin Laden, barba grande, turbante branco e vestes brancas, está sentado em um lugar, ao lado de Mulher. Ele está com uma maleta no chão, ao seu lado.
Silêncio. Ela ameaça falar alguma coisa, mas desiste. Está tímida, sem ser medrosa, apenas tímida, querendo se “enturmar”. Ele está sério, e não se mexe. Ela começa a estranhar o fato de que ele está muito parado, olhando para o nada.


MULHER
Então, falta de assunto? Pois é, eu acho um absurdo o que fizeram com você, sabe? Puro preconceito. Quem eles pensam que são? Você me parece uma pessoa íntegra, inteligente... Simpática né... É nítida a sua simpatia, essa maneira cativante de agir, esse jeito tímido, calado, mas que diz tanto. Todos do seu país devem ser assim, imagino.

Homem não responde.

MULHER
Devem ter estilo. Sim, porque o que não podem falar é que você não tem estilo. Essas roupas são bem... Bem... Diferentes né? Você já foi a Bahia? Não sei, mas eu tô percebendo em você uma semelhança com alguma pessoa, talvez... Ah já sei! Aquele compositor negro, que também é percussionista, um que usa umas tranças sabe? (silêncio. Ela se exalta tentando lembrar) Um que canta umas músicas com umas letras estranhas? Uns sons meio tribais, meio loucos? (silêncio) Não conhece né? Poxa, se tivesse um google aqui agora eu lembrava. Escapuliu o nome, ai odeio quando isso acontece! (silêncio) Tu curte axé? (silêncio) Sei lá, eu já curti muito numa época, ia pra essas micaretas todas fora de época sabe? CarnaBelô, CarnaSampa, CarnaJuizdeFora, CarnaGuaratatinguetananópolis (pausa) do Sul. Hoje em dia eu curto mais trance. (silêncio). Desculpe, eu sou uma insensível né? Você aí preocupado com tantas coisas, o vôo que você perdeu, e eu aqui falando de carnaval, de música. Eu não queria te chatear, desculpe, nem te causar esse tipo de constrangimento...


Homem coloca sua mala no colo.

MULHER
... Mas sei lá, eu imagino como deve ser solitário a pessoa chegar num lugar, não conhecer ninguém, ser tratado com preconceito, e não ser amparado, não ter alguém pra oferecer um ombro amigo. Pô cara, sério (Ela pega no ombro dele) pode contar comigo. Pro que der e vier cara, força. (silêncio) Te pediram pra ficar aqui esperando não é? Ta com fome? Tu quer que eu compre uma coisa pra você? Um lanche, uma coca cola? Tem um Mc Donalds ali. Quer? ( Ela ri) Caraca cara, tu é muito tímido né não? Pô, to aqui igual uma louca, falando falando e você nada.


Homem coloca sua mala numa mesa próxima, e a abre.


MULHER
Entendi. Isso é um jogo né? Você aí todo cheio de charme, vendendo o tipo tímido misterioso, não fala nada, as circunstâncias já te favorecem né? Essa situação “o rapaz abandonado do aeroporto”. Tô entendendo teu jogo. Olha, ta funcionando viu? Achei você muito...( faz manha e ri envergonhada) Ai, sei lá, fiquei tímida agora. Você quer que eu compre um lanche pra você? Lembrei de um filme agora. Cara, um filme que tem tudo a ver com a situação desse momento. Com o fato de você se sentir estranho e deslocado, num lugar desconhecido, onde as pessoas não te aceitam como você é verdadeiramente. Onde a guerra nos consome, e não conseguimos mais ter uma clareza sobre as nossas relações com o próximo, o amor e a natureza. Onde o preconceito de raça é evidente, e deve ser abolido. Avatar. Já assistiu?


Homem tira uma bomba-relógio (Uma engenhoca, com fios coloridos. Pode ser feita com várias velas grandes, vermelhas, enroladas por “silver tape”. E grudado um relógio de ponteiros) de dentro da mala. Fica com ela em mãos. Bem lentamente, olha a bomba e confere os fios.


MULHER
...Pô brother, tu tem que assistir! Vai se sentir mais leve. Mas tem que ser em 3D, se não é perda de tempo. Em 3D que é o bicho. Esses oficiais estão demorando né? Sabia que você não ia agüentar ficar sem fazer nada, já arrumou uma distração né? Quando eu era criança eu tinha aquele joguinho, que era uma pessoa deitada e cheia de buracos, e tinha os órgãos pra gente colocar com uma pinça? Sabe? Quando a gente esbarrava no boneco, tinha um alarme. Péen!( faz o alarme) do paciente reclamando.(ri) Conhece, é do teu tempo? Acho que esse brinquedo era da Estrela. O que é isso que você ta mexendo, posso ver?


Mulher aproxima-se de Homem, e ameaça pegar da mão dele. Homem, com cara de reprovação, puxa pra perto de si a bomba, para que Mulher não pegue.

MULHER
Ih, que foi? Se irritou? Quer brincar sozinho, né? Eu te entendo. (silêncio) Cara, quando eu tô com meu iphone eu fico completamente hipnotizada, no mundo da lua mesmo, que nem você tá agora, todo compenetradinho. Pô, muito louco essa coisa da tecnologia né brother? Bizarro, a globalização, a internet, pô, o silicone! O mundo tá muito doido, essas enchentes terríveis, os jogadores de futebol metidos com traficantes, tu curte o Adriano? E o Rick Martin gente, os terremotos, e essa polêmica toda do stand up comedy ser ou não ser teatro, e as pegadas que acharam do abominável homem das cavernas, você soube? Será que isso existe mesmo, porque nos ETs eu acredito, ah acredito sim, com certeza cara, de onde você acha que tiram tanta ideia pra filme de ficção? E o Lula, você acha que ele é o cara? (Mulher cansa, vai ficando tristinha) Poxa...Então tá... Pô... Tá bom seu moço boboca, metido, não quer papo comigo é? Tá certo, eu vou embora. Vou parar de falar, é isso que você quer né? Adeus.


Mulher sai de cena. Homem faz cara de aliviado, e volta a olhar para a bomba. Segundos depois, Mulher volta correndo sorrateiramente e pega a bomba da mão de Homem. Ele fica desesperado. Ela começa a correr, e brincar com a bomba.

MULHER (animada e infantil)
Peguei! Ah se ferrou, você não me pega! Não me pega! Lá lá lá! Tenta me pegar, tenta!


Homem tenta pegar a bomba de Mulher, que corre em círculos e o desnorteia. Ela fica trocando a bomba de mão, com os braços levantados, como se fosse uma bola. Homem começa a ficar irritado.

MULHER
Peraí, deixa eu ver uma coisa aqui. Esse relógio. (estranha o relógio de ponteiro) Ué (confere a hora no seu relógio de pulso). Esse relógio tá atrasado 1 hora esse relógio. (repetição da palavra relógio nessa última frase, é proposital) Rapidinho.

Mulher mexe no ponteiro do relógio.

HOMEM
Nãooooooooooooooooooooooooo!


Black Out. Som de explosão.


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CARRO É MULTADO POR AVANÇO DE SINAL APÓS COLISÃO
Motorista punida só teve seu recurso contra a infração acolhido após escrever carta para o jornal
RIO – O GLOBO – quarta, 24 de março de 2010
Leandro Muniz



Brasil sil sil sil
Leandro Muniz


Homem está numa mesa cercado por papéis. Ele é oficial da Aeronáutica. Homem não chega a ser grosso, ele tem uma rudeza e falta de tato, típicas das pessoas dos escritórios burocráticos, meio frio e robotizado.
Mulher está sentada de frente pra ele, apreensiva. Enquanto ela responde o questionário, Homem vai anotando.


HOMEM
Nome?
MULHER
Carla Costa de Alencar Albuquerque
HOMEM
Idade?
MULHER
32 anos
HOMEM
Peso?
MULHER
Isso é realmente necessário?
HOMEM
Peso?
MULHER
60kg
HOMEM
Altura
MULHER
1,67
HOMEM
Tipo sanguíneo?
MULHER
B
HOMEM
E o Rh?
MULHER
Ai meu deus, nunca sei se é positivo, ou negativo... ( fala meio sem certeza) É positivo...
HOMEM
CPF ?
MULHER
092 547 456-09
HOMEM
Identidade?
MULHER
12345768-4
HOMEM
Data de nascimento?

MULHER
Isso é realmente necessário?
HOMEM
A senhora está repetindo muito essa frase. Já expliquei a senhora, que o nosso procedimento aqui, no caso é esse, mas a senhora não quer respeitar...
MULHER
Imagina, não é desrespeito...
HOMEM
Pois é, mas assim não está colaborando compreende? Precisa haver aí uma colaboração pra gente estar aqui não é, no caso, realmente averiguando o seu caso.
MULHER
Mas você não já viu meus documentos, minhas fotos? Hein? Você tem alguma dúvida?
HOMEM
Tem muito falsificador malandro solto por aí.
MULHER
Sim, mas eu estou aqui, com a mesma cara da foto, em pé na sua frente, falando com você, dizendo quem sou eu, o que mais você quer saber? Meu time?
HOMEM
Não senhora, não fazemos perguntas esportivas no caso.
MULHER
Eu sei que não, foi uma piada.
HOMEM
Também não trabalhamos com piadas aqui senhora.
MULHER
Ah é? Não parece! Não acha uma piada essa situação?
HOMEM
Desculpe senhora, mas o fato da senhora estar aqui, ser a mesma da foto, estar em pé na minha frente, falando comigo, dizendo quem você é, não prova que a senhora, no caso, está viva.
MULHER
Ah, não prova? O que eu preciso fazer então? Dançar o rebolation?
HOMEM
Também não trabalhamos com o rebolation aqui senhora.
MULHER
Meu amigo, eu sempre voei de ultra leve! Há 15 anos! Fui na escola de vôo conferir quantas horas eu tinha!
HOMEM
Isso eu já entendi senhora.
MULHER
Vou repetir porque parece que não está claro. Chegando lá eu vi que de fato eu tinha as minhas horas certinhas e computadas.
HOMEM
Perfeitamente.
MULHER
Só que o sargento que me atendeu, ao verficar os meus apontamentos disse que eu estava devidamente morta...
HOMEM
Correto senhora.

MULHER
Correto uma pinóia! O relatório dizia que eu tinha morrido na colisão entre dois aviões da frota aérea do Acre!
HOMEM
Exatamente senhora, que bom que a senhora entendeu o que consta aqui, que no caso, é ( lendo o papel tranquilamente) que a senhora faleceu.
MULHER ( se estressa mais)
Me encaminharam pra cá, eu já me informei sobre isso. Está claro que o inquérito inverteu as conseqüências de dois acidentes. Veja aqui (tira uma folha de papel do bolso) Eu estava no PPRAC, e apareço como morta, enquanto os tripulantes do PPRAD, que estão devidamente mortos, aparecem aqui como sobreviventes!
HOMEM
Exatamente, a senhora agora queira o favor de continuar respondendo o questionário...
MULHER( faz xilique)
Eu não quero responder questionário nenhum! Eu odeio você e os inquéritos brasileiros! Eu quero falar com o seu superior agora!

Entra um outro oficial, atraído pelo som da confusão que foi aumentando nas frases anteriores, e aproxima-se. O outro oficial sai. HOMEM 2 assume os papéis que estavam em cima da mesa.

HOMEM 2
Pois não.
MULHER
Eu estou tentando convencer esse senhor de que eu estou viva. O inquérito inverteu as conseqüências do acidente...
HOMEM 2
Ah sim, o acidente da colisão entre os dois aviões no Acre
MULHER ( se alegra)
Isso, isso... Olha moço, já respondi mais da metade desse questionário...
HOMEM 2
Desculpe minha senhora. Mas está no relatório, e os fatos não mentem.
MULHER
Ah mentem sim, mentem sim! Eu estou viva para provar! Olha aqui minha identidade
( pega a identidade e mostra para Oficial) Viva!
HOMEM 2
Bem, é fato, a senhora pode provar que está viva.
MULHER
Ai graças a Deus! Finalmente...
HOMEM 2
(interrompe) Mas acontece que se a senhora provar que está viva, a senhora vai ter que pagar os prejuízos materiais do acidente, porque aqui no inquérito consta que sua tripulação foi a responsável pelo desastre.

Breve silêncio.

MULHER ( vai se afastando e saindo de fininho a cada frase dessas)
Ah, entendi... Bom, sendo assim... já que eu não tenho onde cair morta...eu vou nessa.. ta?Olha, sucesso aí viu coronel..


Vai saindo de fininho.

MULHER ( de longe )
Ah coronel, só mais uma coisa. Como o senhor agüenta? A burocracia no Brasil é de matar!




Fim.


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CARNE CRUA
Leandro Muniz


MÃE está na janela de binóculo, observando apreensiva. Entra FILHA.


FILHA
Mãe.

MÃE (assustando-se)
Quer me matar?

FILHA
Mãe,quer sair dessa janela?

MÃE
Como se não bastasse esse infeliz...

FILHA
Outra vez você parada aí o dia todo!

MÃE
Esse infeliz que não me dá sossego na minha própria casa!

FILHA
Você está obcecada.

MÃE
Olha lá olha lá, veja com seus próprios olhos. (dá o binóculo para a filha) Está amolando aquela faca de novo!

FILHA
É só mais um churrasco.

MÃE
Churrasco,churrasco.. É incrível como você não acredita na sua mãe!

FILHA
Já to acostumada com seus exageros.

MÃE
Exageros? Então acha normal esse homem amolar essa faca trinta e oito vezes por dia?

FILHA
Você contou?

MÃE
E ainda por cima é um promíscuo!

FILHA
Mamãe por favor.

MÃE
Promiscuo sim, falo e repito! Um ser nojento, andando pra um lado e pro outro todo suado e... (pára e faz careta de nojo) de cueca!

FILHA
Ele ta em casa!

MÃE
Cuecas que obviamente foram feitas para um sujeito com metade do tamanho dele!

FILHA
Errada está você em bisbilhotar.

MÃE
Ah, agora eu é que sou a maluca, a errada, a fofoqueira... Vai diz: Minha mãe é uma maldita fofoqueira! Joga na minha cara!

FILHA
Você que está dizendo.

MÃE
Quando aquela senhora da casa ao lado desapareceu, eu avisei, é ele! Ninguém amola facas o dia inteiro a toa!

FILHA
Chega.

MÃE
E os corpos? Os corpos sim que eu vi esse homem carregando! 4 corpos sangrando!

FILHA
Mamãe ,não eram 4 sacos pretos grandes e pesados? Poderia ter qualquer coisa dentro deles! Lenha, as carnes do churrasco...

MÃE
Carnes das vítimas! Tudo é tão claro, como você não percebe.

FILHA
Poderiam ser compras, móveis...

MÃE
Estavam sangrando, móveis não sangram!

FILHA ( olhando no binóculo novamente)
E ele até que é bonitinho...

Mãe pega o binóculo da mão de Filha, e olha rapidamente.

MÃE
Olha lá, e essa cueca enfiada!

FILHA
Mamãe, basta!

MÃE
Acredita minha filha, eu não sou boba! Tenho pesquisado bastante no google. Por exemplo, o Jack.

FILHA
Bauer?

MÃE
Não, Jack o estripador. Um serial killer que mutilava mulheres depois de estrangulá-las. Todas eram prostitutas!

FILHA
Mamãe, você é prostituta e eu não sei?

MÃE
Escuta! Na Rússia, o "açougueiro de Rostov", 52 mortes e abusos sexuais contra crianças!

FILHA
Mamãe pára.

MÃE
Peter Kuerten, "o vampiro do Downtown”, nove mulheres, cujo sangue bebeu.
Todas encontradas enterradas sob sua casa. David Letterman, confessou ter comido a carne de três vítimas, e trepado com mulheres da equipe de seu programa de tv! Sérgio Mallandro...

FILHA
Chega chega chega! Mamãe me ouve! Você está enlouquecendo! Pelo amor de Deus, não é normal uma pessoa viver em função de um vizinho que mal conhece! A sua solidão ultrapassou todos os limites! Pare de agir assim, de inventar essas histórias!

MÃE
Não são historias inventadas!

FILHA
E o encanador que você disse ter vindo aqui á cavalo?

MÃE
Ok, essa era inventada. Mas só essa eu juro!


FILHA
Já faz 4 anos, que papai morreu. 4 anos! Quero te ver melhor. Mas minhas forças estão se esgotando... Minha paciência também mamãe. Eu já vou indo.

MÃE
Espera filha, onde você vai?

FILHA
Vou pra casa. Qualquer hora volto pra te visitar, quando você estiver menos ocupada.


Filha sai.

MÃE ( falando alto para a filha que já saiu)
Filha, toma cuidado! Filha, desculpa! Desculpa filha...é o meu jeito...Sou preocupada! Filha? Tem que tomar cuidado com a rua a essa hora. Tá tarde, já são 8 e 38. (olha pensativa e fala pra si). Aposto que tá na hora dele fazer a tal vitamina, quer ver? Vai ligar aquele liquidificador barulhento. Um dois três e já!(pausa) Estranho. Ele deve estar regando o jardim então. ( pega o binóculo) Ué, cadê ele? Meu Deus! Ele foi atrás dela! Jesus como eu sou burra! È tão óbvio! Ela é mais jovem e bonita, certamente ele a observa a tempos, e hoje resolveu dar o bote! Eu...eu... preciso fazer alguma coisa, eu...já sei, a polícia, claro.. ligo pra polícia...não, eu vou descer...eu desço, vou atrás deles, não, peço ajuda...não, eu ligo pra polícia,e depois desço pra pedir socorro, é isso...eu ligo...

Toca a campainha.


MÃE ( suspira aliviada)
Ai, como eu sou boba!


Mãe vai abrir a porta. Campainha continua sendo tocada.


MÃE ( abrindo a porta)
Filha, graças a Deus!


Entra Vizinho. Ele está sem camisa, de cueca, com um lenço amarrado na cabeça e suando, e tem sotaque de mineiro, manso, do interior. Ele anda em direção a Mãe lentamente, com os braços pra trás, como se estivesse escondendo algo. Ela vai recuando, também lentamente conforme ele avança.


MÃE
Não... Não... Por favor... Não...

VIZINHO
Chegou a hora.
MÃE
Não.

VIZINHO
Sim.

MÃE
Não me mata! Nãooo!Tem piedade, piedade!


Mãe ajoelha-se e fecha os olhos, colocando as mãos a frente do rosto, protegendo-se.


VIZINHO
Mulher doida sô. Chegou a hora é de ocê sabe sô, o quanto te quero bem.


VIZINHO entrega um buquê de flores a MÃE.


VIZINHO
Queria convida a sinhora pra bateu um rango mais eu, lá em casa sô.

MÃE ( recompõe-se, ri, e levanta pra pegar as flores)
Ai...obrigada, nem sei o que dizer...

VIZINHO
Não fala nada, sô. Só me diz uma coisa. Ocê prefere carne crua de criança morta ou carne crua de prostituta viva mermo?


MÃE grita.


Black out.

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Casamento em grande estilo
Leandro Muniz


Chuva forte. Homem e Mulher entram correndo e ofegantes em cena, como se já estivessem fugindo da chuva há algum tempo. Estão animados e encharcados.
Homem segura um guarda-chuva que está visivelmente quebrado. Ele o fecha, como se os dois finalmente tivessem chegado a um lugar coberto.


MULHER
Ai amor, to tão animada!
HOMEM
Eu também, essa noite tive aquele mesmo sonho.
MULHER
Com o Coldplay?
HOMEM
Não, com o Sean Connery. Ele entrava com você na igreja, era namorado da sua mãe, e ao fundo, o belo som do coral dos meninos cantores de Petrópolis.
MULHER
Lindo!
HOMEM
Lindo!
MULHER
E as flores?
HOMEM
A decoração das flores toda em orquídeas, lírios e tulipas amarelas...
MULHER
Ai, fico zonza só de imaginar...
HOMEM
A igreja...
MULHER (empolga-se)
Você via a igreja?
HOMEM
Sim, era uma igreja lá de Ouro Preto, bem na ladeira do...
MULHER
Ouro Preto amor? Queria que fosse no Outeiro da Glória.
HOMEM
Desculpe amorzinho.
MULHER
Continua!
HOMEM
Seu vestido era maravilhoso, tinha alguns diamantes na grinalda, e a calda era segura por seis crianças dinamarquesas.
MULHER
Precisamos orçar essas crianças!

HOMEM
Está tudo anotado. Flores, música ao vivo, igreja, crianças, vestido, padre...
MULHER
Seu terno, o buffet, local da festa, dj, iluminação, convite...
HOMEM
Banda cover do Cold Play!
MULHER
Sósia do Sean Connery!
HOMEM
Amor, tem certeza? Não estamos exagerando?
MULHER
Claro que não. Sonho é sonho, e eu vou realizar o maior de todos os sonhos da minha vida ao seu lado!
HOMEM
Meu amor!
MULHER
Que mais?
HOMEM
A sua chegada...
MULHER
Que que tem?
HOMEM
Era num jaguar, preto, de luxo, igual aquele anúncio que lemos.
MULHER
Sim, ele estava no nosso orçamento!
HOMEM
Mil e quinhentos reais, pra chegar linda e poderosa num jaguar!
MULHER
Pois é!
HOMEM
Com motorista!
MULHER
Claro!
HOMEM
Então...

(pausa bem pequena)

MULHER
Vale não vale?
HOMEM
Com certeza!
MULHER
Jura que não acha o carro desnecessário?
HOMEM
Imagina, dinheiro bem gasto esse!
MULHER
Claro lindinho, a gente merece tudo!


HOMEM
Tudo é pouco, a gente merece tudo e muito mais!
MULHER
Tudo e muito mais, e mais um pouco!
HOMEM
Tudo e muito mais e mais um pouco e mais além!
MULHER
Tudo e muito mais e mais um pouco e mais além de tudo que a gente tem direito do que pode ser possível de todos os casamentos do universo!
HOMEM
Tudo bem amor, eu já entendi.
MULHER
Então pega a planilha Excel?
HOMEM
Ta molhada amor.
MULHER
Você não salvou no computador?
HOMEM
Sim, mas o computador queimou.
MULHER
Você não lembra dos preços de cabeça?
HOMEM
Só de alguns paixão...
MULHER
Mamãe tá por dentro de tudo, não está?
HOMEM
Sua mãe sabe tudo... Mas ainda não a encontraram.
MULHER
Esses bombeiros, tão incompetentes!
HOMEM
Podemos passear e tentar encontrá-la.
MULHER
Não sei, não queria circular muito, assim sem maquiagem.
HOMEM
Você está linda!

(pausa bem pequena)

MULHER
Eu também sonhei essa noite sabia?
HOMEM
Sonhou?
MULHER
Sim, quer ouvir?
HOMEM
Claro.




MULHER
Sonhei que a chuva não tinha caído tão forte, sonhei que estava correndo com você, feliz e pulando todas as poças que via pela rua, sonhei que a enchente não destruiu nossa casa, sonhei que ninguém tinha perdido parentes, e que aquelas pessoas não tinham morrido afogadas, sonhei que não precisava ter medo daqui pra frente, sonhei que tudo isso era uma cena de comédia, que você guardava nossos planos na memória e ia saber como agir, sonhei que mamãe nadava feliz, que jantávamos fora, que o sofá amarelo tava intacto, que o nosso casamento foi lindo, e que apesar de tudo, eu conseguia continuar te amando, muito.

HOMEM
Será que alguma coisa ainda é possível?
MULHER
Não sei.

Silêncio. Os dois “desmontam” desanimados. Parecem sem esperanças, mas rapidamente voltam a se animar, durante as próximas falas.

MULHER
E se em vez da igreja fosse aquela ponte do lado de lá?
HOMEM
E se em vez do coral, eu chamasse o Jonas pra cantar um sambinha?
MULHER
Lembra daquele bombeiro? Ele era a cara do Sean Connery!
HOMEM
Flor é o que não falta no jardim do Campinho!
MULHER
Essa sua roupa ta ótima!
HOMEM
Você também está elegante!
MULHER
Resolvido!
HOMEM
Resolvido!
MULHER
Vou pros escombros pegar o que sobrou!
HOMEM
Vamos!
MULHER
Espera! E o jaguar de luxo?
HOMEM
Podemos pegar o nosso bote.
MULHER (apaixonada)
É seguro?
HOMEM
Sim, inflável. (aponta pra si) Com motorista.
MULHER (depois de um breve suspiro em silêncio)
Te amo.

HOMEM
Eu que te amo mais.
MULHER
Então, vamos?
HOMEM (abrindo o guarda chuva)
Antes que o amor acabe!
MULHER
Antes que o mundo afunde!

Os dois se beijam, apaixonadamente, embaixo do guarda chuva quebrado. Música emocionante.
Black Out.


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TEXTO É QUE NEM FILHO. PRIMEIRO A GENTE FAZ, DEPOIS A GENTE DÁ O NOME
Leandro Muniz


Padre Flávio Alberto está em sua sacristia. Entra uma jovem mulher, Joana.
Padre é muito sério, principalmente de início, e embora fale barbaridades, não é afeminado.

JOANA
Padre?

PADRE
Joana.

JOANA
Desculpe padre, entrar assim desse jeito.

PADRE
Você podia ter entrado dando uma cambalhota, seria mais criativo. Mas não faz mal.

JOANA
O que padre?

PADRE
Brincadeirinha. Fiz piada, entendeu?

JOANA
Entendi.

PADRE
Sou padre, mas também sou filho de Deus.

JOANA
Sim

PADRE
Tá vendo como eu sou engraçado?

JOANA
Claro, o senhor tem ótimo senso de humor.

PADRE
Senhor está no céu. Aliás, ele ( aponta pra cima) também tem senso de humor.

JOANA
Acha mesmo padre?



PADRE
Claro, não acha muito engraçado por exemplo, quando a igreja católica propõe que o amor conjugal tenha uma fidelidade inviolável! Não é patético Joana?

JOANA (espanta-se)
Mas padre...

PADRE
Ahá! Piadinha de novo!

JOANA ( ri desconcertada)
Nossa, que susto! O senhor é mesmo muito espirituoso.

PADRE
Me chame de Flávio, apenas Flávio Alberto. Flávio Alberto de Almeida. Flávia Alberto de Almeida, o cantor apenas. Diga.

JOANA
Flávio Alberto.

PADRE
De Almeida, o cantor...

JOANA
De Almeida, o cantor.

PADRE
Adoro isso.

JOANA
Padre, vim lhe falar...

PADRE
Adoro ser chamado de “O cantor”, ou “Aquele padre que canta”, ou somente “ Padre Flávio”, ou ainda “O da canção: Levanta essa batina e vem pra festa”. Desculpe, você falava...

JOANA
Ah, sim padre, venho lhe falar de algo que tem acontecido entre mim e meu noivo.

PADRE
Sim Joana, seu noivo, me lembro. Otávio não é?

JOANA
Isso padre.

PADRE
Uma delícia.


JOANA
Como?

PADRE
Como. Uma delícia de companhia, um rapaz do bem, mas você falava...

JOANA
Sim, padre Flávio (pausa, e depois fala entediada) Alberto de Almeida, o cantor. Tenho vivido conflitos que estão tirando o meu sono. É difícil resolver, pois minha família mudou-se recentemente, todos sabem, estou só e sinto falta de minha prima, com quem eu dividia minhas questões...

PADRE
A Margareth?

JOANA
Sim

PADRE (como se lembrasse com leve tesão)
Hum...

JOANA ( nervosa)
Ela sempre me dava conselhos quando os rapazes iam longe demais. Essa cidade tem paredes que têm ouvidos, todos se conhecem, não sei mais em quem confiar!

PADRE
Entendo perfeitamente devotada Joana, mas acalma teu coração. Não sabes que estou sempre aqui, se você quiser, e vier, pro que der e vier contigo Joana? Jesus disse em voz alta diante do túmulo de Lázaro: “Ó geração incrédula e perversa, até quando estarei com vocês e terei que suportá-los? Traga-me aqui o seu filho”. Lucas, capítulo nove, do versículo trinta e sete ao quarenta e um.

JOANA
E o que quer dizer padre?

PADRE
Não sei. Mas é uma passagem que gosto bastante.

JOANA
Entendi.

PADRE
Gosta bastante do seu namorado Joana?

JOANA
Noivo. Claro padre.

PADRE
Otávio né?


JOANA
Sim

PADRE
Uma “coisa” aquele menino... Mas você falava...

JOANA
Sim padre, dizia que tenho dúvidas quanto a conduta de Otávio. Ele anda estranho, extremamente carinhoso, mas apressado, querendo tirar de mim a todo custo... O senhor sabe...

PADRE
A roupa?

JOANA
Eu ia dizer inocência.

PADRE
Que seja. Joana. Joana, responda com sinceridade : Acredita mesmo que ele...


Entra Sacristão.


SACRISTÃO
Desculpe padre, não sabia que estava ocupado.

PADRE
Não se preocupe. Conhece Joana?

SACRISTÃO
Não sei.

PADRE
Namorada de Otávio.

JOANA
Noiva.

SACRISTÃO
Ah sim, Otávio? Hum...

PADRE
Rapaz galante, Joana tem bom gosto.

SACRISTÃO
Quer que eu volte outra hora?


PADRE
Não. Joana se importa que ele fique? Não vai demorar.

JOANA
Não, de forma alguma.

PADRE
Ótimo. Você falava... Ah sim, que ele tirou sua roupa.


Sacristão começa a massagear Padre.


JOANA
Não padre! Você disse isso.

PADRE
Prossiga, prossiga.

JOANA
Acho que Otávio tem uma pressa em acelerar as coisas, e a igreja católica é clara quanto ao sexo fora do casamento.

PADRE
Ai, mais pra baixo...

JOANA
Perdão?

PADRE
Falei com ele. Prossiga, prossiga, que delicia esse dedão! Mais pra baixo. Aí, pára aí, ai que dor na lombar... Continue Joana.

JOANA
A verdade é que não sei se o amo, entende?

PADRE
Mas sente tesão?

JOANA
O que padre?!

PADRE
Devota Joana, acalma seu coração. Afinal, o rapaz é um gostoso, não é Almeida?

SACRISTÃO
É sim senhor.

PADRE
Pode ir Almeida. Você já contribuiu bastante.

SACRISTÃO
Te espero lá em casa as onze?

PADRE
Não vou poder. Hoje tenho ensaio. Farei participação no show da banda Chocolate Sensual. Mas mande um beijo pros rapazes, em especial pro Fabão.

SACRISTÃO
Benção padre.

PADRE
Deus te abençoe Almeida.


Sacristão sai.


PADRE
Essa minha lombar, sei não. Os shows têm sido muito cansativos.

JOANA
Aliás parabéns, padre. Suas missas estão cada vez mais criativas.

PADRE
Obrigado.

JOANA
O senhor não tem medo de ficar pendurado no Santo Antônio?

PADRE
Já estou acostumado.

JOANA
O uísque em vez do vinho também foi uma novidade.

PADRE
Esse povo precisa experimentar coisas novas.

JOANA
Mas confesso que fiquei um pouco agoniada hoje quando o senhor usou aqueles malabares com fogo.

PADRE
Gosta de fogo Joana?

JOANA
Acho bonito padre.


PADRE
Joana, então se gosta, deixe o fogo se espalhar Joana!

JOANA
O que?

PADRE
Espalhar por esse corpo, que arde, que pulsa, quando o Otávio enfia as mãos nessas tuas coxas...

JOANA
Padre o que é isso?

PADRE (aproximando-se de Joana)
Quando ele toca nesses mamilos, lambe seu pescoço, e acaricia essa pele sedenta!Admita! Você está doida para ser possuída por esse desejo, Joana! Não lute contra ele! Viva, Joana! Viva esse amor! Mesmo que seja só sexo! Goze Joana!

JOANA
O senhor está louco! Afaste-se de mim!

PADRE ( sacode- a, segurando pelos braços)
Você precisa regozijar! Regozijar! E deixe o rapaz regozijar em você também!

JOANA
Socorro!

PADRE
Joana, eu me lembro como se fosse hoje. Eu e meus primos, correndo suados pelas ruelas da cidade. Aquela noite fria, num trecho escuro, saltitava extasiado... De repente tropecei numa pedra, e quando dei por mim, já tinha dado. A vida Joana, é pra ser vivida!

JOANA
Me larga!

PADRE
Quem nunca fez uma “meinha”?

JOANA
Larga!

PADRE
Uma suruba, uma pegação numa sauna...

JOANA
Socorro!

PADRE
Um botox, um boquete numa devota! Você gosta do meu botox, Joana?
JOANA
Padre nojento, me larga!

PADRE ( deitando Joana e fazendo movimentos pélvicos em cima dela, cantarola)
Levanta essa batina e vem pra festa! Levanta essa batina e vem pra festa!

JOANA (desvencilhando-se de Padre)
Seu tarado miserável! Eu nunca mais volto aqui! Desgraçado!


Joana sai chorando.

PADRE (ajoelha-se choro, no centro do palco)
Senhor! Perdoa esse pobre homem, que não sabe o que faz! Quase, quase essa mulher foi minha! Mas eu ainda tenho fé! E aquele noivo! Me perdoa senhor, mas é incontrolável! Eu quero senhor, eu quero! Eu também sou filho de Deus!


Joana volta. Padre levanta.


JOANA
Padre... Eu pensei melhor, e quero repensar sobre aquela questão de me regozijar inteirinha...

PADRE
Claro devota Joana, claro. Ajoelhe.


Joana ajoelha próxima de Padre


PADRE
Em nome do pai, do filho, e do espírito santo. Agora relaxe. Deus sabe o que faz. Amém!


Boquete e Blackout.



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ACABOU A FESTA
Leandro Muniz



3 jovens rapazes fantasiados estão voltando de uma festa, melancólicos.
Um deles, João, está fantasiado de Cleópatra.


AMIGO
É

AMIGO 2
Pois é.

AMIGO
Pode cre.

AMIGO 2
Então...

AMIGO
Pode crê.

AMIGO 2
Pois é

AMIGO
Que coisa né?

AMIGO 2
Eu ia dizer isso, que coisa...

AMIGO
Que coisa mesmo.

AMIGO 2
É mesmo...

JOÃO
Pára! Chega, vocês! Não quero mais ouvir lamentações!

AMIGO ( lamenta)
Ô João...

JOÃO
O que vocês querem que eu diga?


AMIGO 2
Não sei João.

AMIGO
A gente sente muito.

JOÃO( irrita-se)
“A gente sente muito”? “É”, “pode crê”? É só isso que vocês têm pra me dizer? Uau, isso ajuda muito.

AMIGO 2
Só queremos que você saiba que estamos com você nessa.

AMIGO
Pode crê.

JOÃO
Ok. E vão me dizer que não sabiam de nada?

AMIGO 2
Não.

AMIGO
Não.

JOÃO
Mas sabiam que eu tinha planejado isso há meses...

AMIGO
Sim.

AMIGO 2
Sim.

JOÃO
Sabiam que era o meu momento, minha hora de brilhar...

AMIGO 2
Você é um artista cara!

AMIGO
Um artista, relaxa!

JOÃO
Vou relaxar quando eu der um murro na sua fuça! Ou quando descobrir quem armou essa arapuca, o articulador desse plano maquiavélico! Quem quer me ver no lodo, ( fica choroso) com a boca na lama! Por que eles fizeram isso comigo? Eu estava pronto pra dar o meu grande salto, e deixar pra trás toda mediocridade que me cerca, pra viver uma noite de gala e glória! A noite do grande despertar do meu “eu” performático, do meu “eu” artístico!


AMIGO
João, o meu “eu eu”, lamenta muito por tudo isso.

JOÃO
Não consigo acreditar que vocês nem desconfiaram de nada!

AMIGO 2
Olhe pra nossas roupas.

AMIGO
Parece que todo mundo sabia, menos a gente.

AMIGO
Pode crê

AMIGO 2
E fica difícil saber quem teria motivos pra querer arruinar a sua festa.

AMIGO
Sua festa de 15 anos. Mesmo tendo 36.

JOÃO
Eu só queria debutar.

AMIGO
Pode crê, debutar.

AMIGO 2
É impossível saber quem poderia estar por trás desse jogo sujo.

AMIGO
Sujo.

JOÃO
Por que?

AMIGO 2
Todos nessa cidade adoram você, João.

JOÃO
Eu sei

AMIGO 2
Talvez alguns não curtam tanto...

JOÃO ( choca-se)
Quem não curte tanto?

AMIGO 2
Bom, o Cris, por exemplo.

JOÃO
Que que tem o Cris?

AMIGO 2
Ah João, muitos não acharam muito legal você ter espalhado aquela historia da mãe dele.

JOÃO
Ué, mas ela não trabalha na boate mesmo?

AMIGO 2
Sim, mas as fotos dela fazendo sexo oral em você eram desnecessárias.

AMIGO
Pode crê.

AMIGO 2
Mas você tirou as fotos do facebook, do Orkut e do fotolog não tirou?

JOAO
Não. Mas isso é motivo?


Amigos pensam em silêncio, por três segundos.


AMIGO 2
Não!

AMIGO
Não mesmo.

JOÃO
Então?

AMIGO 2
Bem, poderia ter sido a Rita então.

AMIGO
A da comida envenenada?

JOÃO
Gente, uma lavagem estomacal e pluft! Ela já estava boa!

AMIGO 2
Ela morreu João.

JOAO
Mas foi depois da lavagem, não foi?

AMIGO
Pode crê.

AMIGO 2
E ta morta, o que diminui a possibilidade de ter sido ela.


(Pequena pausa)

AMIGO 2( excita-se, lembrando)
Já sei! A Juliene!

JOAO( irritado)
Juliene? Juliene? Ora não me venha falar de novo da Juliene! Nunca ficou provado que espanquei a avó dela!

AMIGO 2
João, mas encontraram suas digitais na dentadura da Dona Odete!

JOAO
Não importa, nunca provaram!

AMIGO
Pode crê.

AMIGO 2
Ta, mas a Juliene tem um irmão né... Ela acha que foi você que...

JOAO
Eu nunca nunca nunca encostei um dedo no irmão dela!

AMIGO
O estupro não foi você né João? Diz que não!

JOAO
Não, claro que não, eu já não disse pra você que parei?

AMIGO ( descontrola-se repetindo)
João é bom, João é bom... João é bom...


João abraça Amigo e faz um cafuné.


JOÃO
Calma, passou, passou. Eu já te falei dos estupros. São águas passadas ãn?

AMIGO
Tenho medo de que algo aconteça com você.


Amigo chora e abraça João.


JOAO
Acredite, confie em mim. Foram 7 meninos e nenhum mais.

AMIGO
Obrigado.

AMIGO 2
Desculpe não estar à altura do seu talento, João.

AMIGO
Desculpe não ser inteligente, João.

AMIGO 2
Desculpe pela minha mãe ser gorda, João

AMIGO
Desculpe não assumir que quero ter seios.


Todos olham em silêncio para Amigo.


AMIGO 2
É só você dizer do que precisa que nós ajudamos!

JOAO
Primeiro eu preciso tirar aquela imagem humilhante da cabeça! Por 3 anos planejei essa festa, o lugar, a luz, as musicas, a minha entrada, a minha roupa! (choroso) Quando entrei no prédio, luzes apagadas, surpresa armada, podia ouvir o barulho de todos se escondendo, pensei: “ Johnny, é hora de emocionar com uma festa digna das mais cintilantes divas! “

AMIGO
E?

AMIGO 2 (para Amigo)
Cara, você não tava lá?

AMIGO
Adoro ele contando.

JOAO
Abro a porta do salão. As luzes se acendem e...

AMIGO
E?

JOAO
E uma multidão, uma multidão me recebe com aplausos efusivos, uma multidão vestida (choroso)vestida com a mesma roupa que eu! Uma multidão de Cleópatras rindo de mim,apontando pra mim! Isso é...desgustin, this is sick!(suando, e vendo tudo girar) é nojento, asqueroso,é brega, é...(começa a ficar muito tonto) podre, é é...( vai tirando a fantasia, sufocado)Quem? Quem poderia saber qual... seria minha fantasia?

João está completamente grogue, e cambaleia.

AMIGO
Quem João?

AMIGO 2
Quem oh belo João?

JOAO
Tá tudo rodando eu....

AMIGO
Quem poderia saber?

AMIGO 2
Você contou pra alguém?Contou da fantasia pra algum amigo João?

JOAO
Vocês...Vocês...


JOAO cai morto, envenenado.


AMIGO
Que veneno demorado de pegar.

AMIGO 2
Essa bicha falava pelos cotovelos!

AMIGO
3 anos querendo ser Cleópatra!

AMIGO 2
3 anos aturando esse anticristo!

AMIGO
O que que a gente faz?

AMIGO 2
Enterra?

AMIGO
Estupra?

AMIGO 2
Não. Vamos levar o corpo de volta pra festa. Hoje ele vai debutar.



Amigo e Amigo 2 arrastam João pra fora de cena.


Fim.


___________________________________
CINEMA VERDADE
Leandro Muniz



Ator está em pé no centro do palco. Concentrado, ele respira fundo e prepara-se para falar seu texto. Ao fundo, uma mulher sentada em uma cadeira o observa.
Pequeno silêncio.
O Ator mostra-se ainda um pouco tenso, mas finalmente ameaça falar a sua primeira fala. Mulher pigarreia, e o desconcentra.
Segundos depois, ele recompõe-se e dá inicio ao texto. Ele fala de maneira impostada, tentando “falar bem” todas as palavras, articulando ao máximo. Enfim, dando uma formalidade ao texto que não existe.


ATOR
Vamos embora meu irmão! Vamos sair desse lugar imundo! Precisamos sair desse buraco logo! Onde está o Zé? Liga pro Zé agora! ( coloca a mão no peito como se tivesse tomado um tiro,em seguida olha pra mão)...Eu to sangrando...eu to sangrando...eu...

MULHER ( interrompe)
Ok. Pára. O que que é isso?

ATOR
O que?

MULHER
O que que você tá fazendo? Acha que isso aqui é teatrinho? Que que isso? Um clown?

ATOR
Eu... To tentando aqui...

MULHER
Você ta tentando o que? Fala. Me ridicularizar? Me fazer perder tempo?

ATOR
Não dona Fábia.

MULHER
Senhora. Senhora Fábia Toleted, é meu nome.

ATOR
Senhora Fábia...








MULHER
Falta vigor, falta carisma, falta pegada, falta masculinidade, falta virilidade, falta naturalidade, falta afeto, falta vergonha nessa cara, falta porrada na cara na infância, falta ser visceral, falta corpo, falta vigor,vigor eu já falei... Isso aqui não é teatro não! Isso aqui é cinema porra! Cinema brasileiro, cinema nacional, cinema verdade, porra! É assim que você se apresenta? Com essa merda? E o contexto social? E a favela? Você vai ignorar a dor dessas pessoas?

ATOR
Desculpe, é a primeira vez...

MULHER
Não me pede desculpas que eu vomito, ouviu? Vomito em você!

ATOR
Ai, que nojo.

(Mulher coloca uma das mãos na testa, não acreditando)

MULHER
Ok. Muitos dizem que sou radical, mas é preciso entender o método. Você não é obrigado a ficar, e afinal, também não somos obrigados a ficar com você. Porém, tem algo em você que ainda me faz ter um fio de esperança. Então vamos lá, com calma. Frase a frase. Eu vou te ajudar. Pode começar.


Ator respira fundo pra se recompor, e esfrega o rosto com as mãos, como se quisesse se concentrar novamente, mas é interrompido por Mulher, que o empurra, e dá tapinhas tirando suas mãos de seu rosto.


MULHER
Pára com isso, pára! Por que não começou ainda caralho? Ta pensando em que? Ator não pensa! Cadê seu medo? Quero ver esse medo! Quero ver nos seus olhos a dor de quando você perdeu seus pais num acidente aéreo trágico!

ATOR
Mas meus pais estão vivos e moram na Grécia.

MULHER
Foda-se!

ATOR
Ok.

Pequena pausa. Ator recomeça tentando imprimir mais raiva, mas ainda fala o texto impostando e articulando exageradamente.

ATOR
Vamos embora meu irmão!

MULHER
Ok. Pára. Parou. Que isso? Você tá numa montagem clássica de Shakespeare que a Bárbara Heliodora dirigiu?

ATOR
Não.

MULHER
Você tá na porra da Grécia com seus pais mortos?

ATOR
Eles são empresários.

MULHER
( grita)Responde!

ATOR
Não.

MULHER
Então não fale (imita Ator impostando a voz ) “Vamos embora meu irmão! “( muda o tom, brigando) Cinema verdade, brasileiro,tráfico,violência e morte! Fale: Van bora mermão! Repete comigo: van bora mermão!

ATOR ( sem graça)
Van bora mermão.

MULHER
Com mais vigor!

ATOR
Van bora mermão!

MULHER
Com mais vigor e mais rapidinho!

ATOR ( rápido)
Van bora mermão!

MULHER
Ok. Um pouco menos ridículo. Ainda preferia que seus pais estivessem mortos.

ATOR
Oi?

MULHER
Nada. Segunda frase. Bora!
ATOR
Ah... Ok, eu já estou começando a entender, Senhora Fábia Toleted.

MULHER
Imbecil. Ação!

ATOR (faz cara de mal, e fala sem articular nada. Mal se entende o que ele fala) “Vamo”sair desse lugar imundo! Precisamos sair desse buraco logo!”

MULHER
Quase regular. Coloca um porra.

ATOR
O que?

MULHER
Um porra no fim da frase, vai te ajudar. Fala mais rápido, articula só um pouco mais, e come a vogal do fim das palavras. E o porra no fim hein, não esquece. Vai! Ação!

ATOR
Vam sair dess lugar imund porra! Precisamu...precisamu..

MULHER
“Precisamu” é bom, mantém!

ATOR ( articulado)
Sair

MULHER ( corrige)
Saí

ATOR
Saí.

MULHER
Isso! Mas cadê os olhos marejados? Lembre-se de que você foi estuprado pelo seu tio!

ATOR
Não fui não!

MULHER
Foi sim! Ele te socava aquela vara!

ATOR
Você tá louca!

MULHER
Fala! Fala que você era um brinquedinho! Seu viadinho! Quer que eu cuspa na sua cara igual ele fazia?

ATOR
Desculpe, mas eu...

MULHER ( com voz infantil)
Viadinho!

ATOR
Não vou me submeter a esse tipo de coisa!

MULHER
E a vassoura? Me conta da vassoura!

ATOR
Mas o que é isso?

MULHER começa a fazer caretas e alguns gestos bizarros, como se tocasse teclado no ar, e repete meio cantarolando com uma voz infantil e irritante, frases como “ Viadinho, viadinho”, “ Seus pais morreram”, “Seu tio te molestou”, “ Foi estuprado”, “ Comeu cocô”, e pressiona Ator incessantemente com essa brincadeira tosca.
Ator defende-se e vai falando ao mesmo tempo, por cima da voz de Mulher.

ATOR ( visivelmente alterado, com raiva, emocionado)
Eu vô embora daqui porra, não fode! Nego fica pensando que ser ator é fácil, vai se fuder! Bando de filha da puta! Podia te espancar sua piranha! Acha que essa merda desse “método cú” dá certo? Minha família é feliz, sua vaca! Não preciso disso aqui não! Nem de você nem de passar nessa merda de teste! Vai extrair desgraça da vida da tua mãe...

MULHER
Isso!

ATOR
O que?

MULHER
Esse estado, essa frequência!

ATOR
Que que tem?

MULHER (anima-se verdadeiramente)
É isso que eu quero! Vai, mantém! Fala o “to sangrando... to sangrando...”


ATOR coloca a mão no peito como se tivesse tomado um tiro, e mantém-se verdadeiramente emocionado.

ATOR ( verdadeiramente emocionado)
Eu to sangrando... Eu to sangrando... eu...


MULHER ( susurra atentíssima a cena )
E agora, morre...

Ator cai como se morresse. Alguns segundos de silêncio.


MULHER
Maravilhoso! Caralho, maravilhoso!

ATOR( levantando-se)
A senhora fala muito palavrão, nossa!

MULHER ( simpática e doce )
Você... Me chama de você!

ATOR ( animado)
A senhora achou maravilhoso mesmo?

MULHER
Claro.

ATOR
E então?

MULHER
Então o que?

ATOR
Filmou?

MULHER
Não.

ATOR
Mas e aí? Eu passei no teste?

MULHER
Não querido, infelizmente o teste pra esse filme terminou na semana passada! Uma pena.

MULHER ri e começa a gargalhar.

ATOR
Desgraçada! Pára de rir!


A gargalhada de MULHER vai aumentando, e ouve-se risadas altas de muitas pessoas da coxia.

ATOR ( choroso, leva as mãos aos ouvidos,tapando-os)
Parem! Parem de rir! Parem de rir eu disse! (pede emocionado, caindo em si, e olhando tudo ao redor) Isso aqui...Isso aqui é teatro! Isso aqui é teatro! Por favor, um black out! Um black out agora!


Black Out brusco.



______________________________________
COMIDA?
Leandro Muniz


Homem e Mulher estão em um restaurante sentados à mesa, um de frente para o outro, e cada um lendo o seu cardápio.
É importante que no desenrolar da cena, o casal não toque na comida em momento algum.

HOMEM
Fetuccine di rapa al pesto di rúcula.

MULHER
O que que vem?

HOMEM
Massa de beterraba com pesto de rúcula.

MULHER
Hum, não sei.

HOMEM
Será que dá pra dois? 33 reais.

MULHER
Muito caro.

Entra Garçom.

HOMEM ( lendo para Mulher)
Tem esse aqui, cappeletti...

GARÇOM ( interrompe)
Boa noite, já escolheram?

HOMEM( lendo cardápio)
Oi, esse fetuccine di rapa...

GARÇOM
Al pesto di rúcula?

HOMEM
Isso. Dá pra dois?

GARÇOM
Não, as porções são individuais.

HOMEM
E esse cappeletti caprese ?
GARÇOM
Todos pratos individuais.

MULHER
Pronto, decidi, quero uma carne.

GARÇOM
Tem o Saltimbocca. Esse aqui.


Garçom vira a página do cardápio de Mulher, e aponto com o dedo.

MULHER
Enroladinhos de filé com gorgonzola e bacon. Adorei, quero esse!

HOMEM
Pronto. Então é esse aí...

GARÇOM (anotando o pedido num bloquinho)
Um saltimbocca...

HOMEM
Isso, e pra mim, um al pesto di rúcula.

GARÇOM
Ok. Pra beber?

MULHER
Suco de laranja

HOMEM
Coca zero.


Garçom sai.

HOMEM
Que demora pra escolher!

MULHER
Você que queria pedir um individual pra dois!

HOMEM
Ok, pedimos dois pratos, pronto!

MULHER
Fala logo Alex.

HOMEM
O que?

MULHER
Sempre que você me chama pra jantar num lugar menos tosco, eu já sei que é algo sério, ou então quer me pedir dinheiro.

HOMEM
Não é nada disso

MULHER
Ah não?

HOMEM
Não.

Pausa.

HOMEM
Tá , na verdade eu quero mesmo te contar uma coisa...


Garçom volta com as bebidas. Homem pára de falar. Garçom serve o casal, ao contrário.

GARÇOM
Suco de laranja (serve o homem) e coca zero (serve a mulher)

HOMEM
O suco é pra ela.

GARÇOM
Desculpe.

MULHER
Imagina.

GARÇOM
Não, desculpe mesmo, isso jamais aconteceu comigo.

HOMEM
Tá tudo certo.

GARÇOM
É sério, eu espero que vocês me perdoem por esse momento vergonhoso, essa imundice que se apresenta nesse momento de tristeza inédita em toda a minha carreira. Isso jamais se repetirá!

Garçom sai.

HOMEM
Coitado do cara.

MULHER
Deve sofrer pressão trabalhando aqui.


Entra Mendigo.

MENDIGO
Com licença.

MULHER
Oi?

MENDIGO
Eu não vim aqui para roubar, nem pedir dinheiro, fiquem tranqüilos.

HOMEM
A gente não tem nada, amigo.

MULHER
É, vamos pagar no cartão.

MENDIGO
Não é nada disso. É que minha mãe ta hospitalizada, eu não como há vinte dias, meu irmão se matou, e eu precisava de leite, fraldas e 7 latas de película para finalizar meu filme.

MULHER
Oi?

Garçom entra.

GARÇOM
Sai daí rapaz, sai sai. Segurança!


Mendigo sai.

GARÇOM
Desculpem o transtorno. Esses cineastas malditos.

Garçom sai.

HOMEM
Que susto.

MULHER
Viu? Você só me trás pra lugares estranhos.

HOMEM
Preocupante. Esse restaurante não tem a menor segurança.
MULHER
Nem ouse aproveitar esse evento pra mudar de assunto Alex. Pode ir contando.

HOMEM
Você acha o que? Que eu vou sair correndo e não te dizer nada?

MULHER
Não sei.

HOMEM
Ana, não preciso mentir pra você, o assunto é sério mesmo. Vou direto ao ponto. Eu preciso...


Entra Pai, um sujeito vestido com roupas de futebol, ofegante e nervoso.

PAI
Desculpe. Vocês viram uma menininha correndo?

MULHER
Não.

PAI
Caiu uma bola de futebol aqui não caiu?

HOMEM
Não vimos

PAI
Tem certeza? E tinha uma menininha negra, correndo atrás dela (emociona-se), com a camisa da seleção, viram?

MULHER
Não vimos.

PAI
Meu Deus! Nós a vimos correndo! Ela só podia estar aqui! Por favor, estamos muito preocupados! Se vocês... (segura o choro) encontrarem, liguem para esse número.


Pai entrega um cartão para Homem.

MULHER
Calma, vai dar tudo certo.

PAI (cai num choro descontrolado)
Não quero perde-la de jeito nenhum!

HOMEM
Tem mais alguma informação sobre ela que você queira falar?

PAI
Sim, é uma bola oficial da Adidas, acinzentada, da Copa de 82.

MULHER
Ah ta...

PAI
É uma raridade. Me liguem. Obrigado.


Pai sai.

MULHER
Que lugar é esse Alex?

HOMEM
Calma, o bairro é agitado, só isso.


Entra Garçom.

GARÇOM
Aqui está. Cappeletti pra você, e o Saltimbocca pra você.

HOMEM
A carne é pra ela.

GARÇOM
Droga. Errei outra vez!


Garçom dá alguns tapas no próprio rosto.

GARÇOM
Bom apetite.


Garçom sai falando sozinho ,alto, e dando tapas na cara e socos na cabeça.

GARÇOM
Burro burro! Seu idiota! A carne era pra ela, seu imbecil!


Garçom sai.

HOMEM (disfarça)
Vamos comer, já ta esfriando.


MULHER
Não, fala logo, que eu quero fugir desse lugar.

HOMEM
Então, é a Sônia.

MULHER (espanta-se)
A Sônia?

HOMEM
Sim, houve um sério problema na...


Entra Namorado, completamente bêbado.


NAMORADO (grita)
Carlos!Carlos!


Entra Garçom.


GARÇOM
Já não falei pra você não gritar aqui dentro?

NAMORADO
Eu não suporto mais a sua indiferença!

GARÇOM( carinhoso)
Nenêzinho, pára com isso?

NAMORADO
Eu vou te matar!

GARÇOM
Segurança!

NAMORADO
Quero saber quem é esse Otavio!

GARÇOM
Sei lá quem é Otávio!

NAMORADO
Eu vi uma ligação no seu celular! Quem é Otávio?

Entra mendigo.


MENDIGO
Sou eu, eu sou Otavio.

NAMORADO
Você está me traindo com um mendigo Carlos?

MENDIGO
Eu sou cineasta!

HOMEM
Gente, por favor, vocês podem discutir em outro lugar?

NAMORADO
Eu vou te matar Carlos!

GARÇOM
Não!

NAMORADO
Você é um devasso, me trai em boates!

GARÇOM (para Homem e Mulher)
Desculpem o transtorno.

MULHER
A gente vai nessa.


Homem e Mulher levantam-se para ir embora.


GARÇOM
Esperem, eu trago a conta!

NAMORADO
Você que vai pagar caro Carlos!

Namorado puxa uma arma, para atirar em Carlos, mas Mendigo segura suas mãos.
Namorado e Mendigo brigam pela arma. Um tiro para cima é disparado. Todos gritam e correm pra fora de cena.

GARÇOM
Esperem! Mas e a comida? (Saindo de cena, e se dando tapas)
Como eu sou burro, burro, idiota!


Palco vazio. Segundos depois sai a menininha negra de baixo da mesa, com a bola de futebol, e corre pra fora de cena.


Black out.

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DESCOBRINDO AS DIFERENÇAS editado
Leandro Muniz



Dois bebês, de fralda e chupeta, estão brincando no chão de uma creche.
Um menino e uma menina.
Menino percebe que não há ninguém por perto, e aproxima-se de Menina.


MENINO
Maria Eduarda? Ô Maria Eduarda!

MARIA
Tê?

MENINO
Tê o Tê?

MARIA
Tê.

MENINO
Bem que eu descobri.

MARIA
Descobriu ou quê?

MENINO
Porque que a gente fica aqui a tarde toda

MARIA
Ah ta. Descobriu a pólvora.

MENINO
Tê já sabia?

MARIA
Ai os meninos. Por que os meninos sempre sabem das coisas depois? Ai meu deus...

MENINO
Maria Eduarda, ô Maria Eduarda, meus pais trabalham aí eles me deixam aqui xozinho todo dia.

MARIA
Tadinho. Foi?


MENINO
Foi. Xozinho. Aí eu posso clescer tlaumatizado. Isso clia poblema no futuro.

MARIA
Você de ta ixexado. Vc ta ixexado? Ta? Deve ser porque tem muito cocô aqui, muito xixi. Ó fica assim não. Quando clescer vc num vai virar um paparazzo não ta? Não vai não ta?

MENINO
Ta. O que que é paparazzo?


Maria pensa por três segundos. Pega um chocalho e chacoalha pra MENINO. Vai saindo.

MENINO
Aonde você vai?

MARIA
Vou láaaaaaaaaaaaá na varandinha fumar, você me deixa tensa! (coloca mão na cabeça)

MENINO
Ah é? Ah é? Tá evitando polenta? Ta evitando polenta? Mas as mulheres se acham muito espertinhas tá? Por que será então, que demoraram tanto pra se tornar independentes? E olha que estou falando de uma minoria ta?

MARIA
Ta nada.

MENINO
Ta sim. Segundo dados fornecidos pelo IBGE, o desemprego tem atingido mais fortemente as mulheres. Ta numa taxa de 11,7% ta?

MARIA
Ah ta, entendi. É isso que você fica fazendo a tarde inteira? Vendo pesquisa. Você é um bebê mimado isso sim que vc é! Olha aqui, sei xixi cocô eu não sei onde você leu esse xixi de pesquisa mas...


Passa uma babá ao fundo, observando se estão todos bem. Maria pára de falar esperando a babá sair. Assim que ela sai Maria continua falando, mas quase cochichando.


MARIA
Esta pesquisa fajuta... Independência não tem a ver com trabalho, ta? Eu por exempo não trabalho e sou uma mulher independente por exempo! E é nítido o clescimento da mulher no mercado de trabalho!

MENINO
Ah ta, eu vejo isso nas cleches e nos salões de beleza que a minha mãe vai.

MARIA
Seu maxixa!

MENINO
Saxixa é vc!

MARIA
Maxixa ta! Falo de um reconhecimento de nosso valor, que vem desde a rebelião feminina do final dos anos 60, nos Estados Unidos e Europa!

MENINO
O melhor movimento feminista é o dos quadris!

MARIA
E não estou falando só de queimar o sutiã em praça pública não, criança! Estou falando de visibilidade política perante a sociedade! A gente ta cada vez mais forte!

MENINO
Ah ta sei forte. Você ta falando de quem? Heloísa Helena? Dilma? Hebe? Ah, claro, Edinanci!

MARIA
Ah, é guerra? Biafra, Paulo Coelho, Roberto Jefferson, Amaury Júnior!

MENINO
Peraí, você tá apelando! Pára!

MARIA
Que foi? Ta chorando? E eu ainda nem falei do Gugu Liberato!

MENINO - golfa

MARIA
Ta com nojinho! Ta com nojinho! Ta com nojinho! Não sabe blincar num desce pu play! Agora eu vou fumar!


MENINO
Vai fugir? Mulhezinha! Mulhezinha! Mulhezinha! Eu nem falei que você tem neurônios inferior ao dos homens!

MARIA
Não faz diferença!

MENINO
Não tem percepção espacial aguçada!

MARIA
Num tenho tendência a quizoflenia!

MENINO
Nunca vou ter cólicas!

MARIA
Nem eu vou ter câncer de plóstata!

MENINO
Pegou pesado!

MARIA
To de TPM!

MENINO
Você não pode fazer xixi em pé!

MARIA
Agora maguô!

(Pausa)

MENINO
Duda, sabia que você irritadinha fica um tesão?

MARIA
Sabia que eu até dava pra você?

MENINO
Dava é?

MENINA
Dava.

MENINO
Ta na hora deu ir. Me liga ta?

MARIA
Tá... Mas mas vou ligar depois das tlês da manhã, que eu vou estar comendo minha papinha ta?

MENINO
Ta, a gente vai pu play ta?

MENINA
Tá!


Menino pega o chocalho do chão e balança dando tchau pra Maria Eduarda. Entra babá.


BABÁ
Vem Henrique, seus pais chegaram! Deixa isso aqui, deixa. Larga Henrique!

MENINO (olhando pra babá e mexendo o chocalho)
Paparazzo... Paparazzo...



Black Out.


_______________________





Diário de uma amizade
Leandro Muniz



HOMEM
Gosta daqui?
HOMEM 2
Não muito.
HOMEM
O que foi?
HOMEM 2
Parques me trazem maus pensamentos.
HOMEM
Foi você que escolheu.
HOMEM 2
As opções eram tão óbvias.
HOMEM
Mas entre as óbvias você quis essa, não?
HOMEM 2
Não me pressione! Você tem que me apoiar. Cadê meu elefantinho?
HOMEM
Tá aqui, pronto.

HOMEM tira um elefantinho de pelúcia da mochila, e entrega para HOMEM 2.

HOMEM
Vai ficar tudo bem.
HOMEM 2
Sinto frio...
HOMEM
Faz mais de 37 graus.
HOMEM 2
Fome...
HOMEM
Trouxe biscoitos.
HOMEM 2
E angústia! Sinto frio, fome, angústia pânico, e pra mim está claro. Você mente sobre sua amizade.
HOMEM
Não é verdade!
HOMEM 2
Mente sobre sua amizade e detesta a minha família!


HOMEM
Por que esse assunto agora?
HOMEM 2( altera-se)
Mente sobre sua amizade, detesta minha família e gosta de lugares que me trazem maus pensamentos!

HOMEM 2 , frágil e choroso, abraça seu elefantinho de pelúcia.

HOMEM
Pára, chega!
HOMEM 2
Eu mexi no seu celular.
HOMEM
Você o que?
HOMEM 2
E liguei pra algumas pessoas pra saber mais sobre a sua relação com elas.
HOMEM
Você enlouqueceu?
HOMEM 2
Eu sei que não sou o único!
HOMEM
Nunca menti pra você.
HOMEM 2
E agora me sinto preso a fantasmas do passado, não consigo evoluir!
HOMEM
Quer falar sobre isso?
HOMEM 2
Você me ama?
HOMEM
Não é tão simples.
HOMEM 2
Eu te amo. Você me ama? Hein? Ama ou não ama?Ama?Diz... Ele me ama (aponta o elefante de pelúcia)
HOMEM
Eu fico extremamente feliz quando estou...
HOMEM 2
Não ama, né? Eu sei, você não ama.
HOMEM
Mais do que quando estou com outros, é sério!
HOMEM 2
Falso.
HOMEM
Mas infelizmente não confio mais em você.
HOMEM 2
Por que olhei seu celular?
HOMEM
Não só por isso. E a minha carteira?
HOMEM 2
Eu fiquei curioso.
HOMEM
Você recortou e colou todos os meus documentos na sua agenda!
HOMEM 2
Achou que ficou feio?
HOMEM
E minha mãe?
HOMEM 2
Foi só uma brincadeira.
HOMEM
Que durou 2 meses, até ela infartar com aquele trote de que eu tinha sido esquartejado por traficantes do Borel!
HOMEM 2
Você não gosta de nada que eu faço!
HOMEM
Você seguiu a Miriam inúmeras vezes!
HOMEM 2
Eu nunca toquei na Miriam!
HOMEM (estoura)
Mas ela ficou assustada com o cadáver do porco espinho no armário! Como entrou na casa dela?
HOMEM 2
Quantas vezes por semana você vê esse Pedro Albuquerque?
HOMEM
Tá vendo? Não posso mais confiar em você.
HOMEM 2
O Pedro é mais legal que eu? O Albuquerque?
HOMEM
Eu te trouxe aqui, pra me despedir de você.
HOMEM 2
Albuquerque... Deve ser de família rica o Al- bu- quer- que..
HOMEM
Sei que você vai ficar bem.
HOMEM 2
Vou ficar bem sim. E você também, porque vai poder se divertir com a Cris Fagundes, o Marino Rocha, tomar sorvete com a Mariana Consoli, jogar boliche em paz com o João Rodrigo Ostrower, e é claro com o Pedro Albuquerque mais tarde.
HOMEM
Decorou minha agenda? Você está sendo infantil.
HOMEM 2
Não estou não. (muda a voz e cobre o rosto com o elefante, usando-o como um fantoche)Manda um abraço pro Pedro!Pro Raul Franco também.
HOMEM
Chega! Esse tipo de invasão destrói qualquer amizade! Escute, vou viajar e não sei quando volto. Toma aqui. Ligue se te interessar.

HOMEM 2 dá um cartão de visitas para HOMEM







HOMEM
O nome dele é Rubens Bacelar. Trabalha no mesmo ramo que eu, é de total confiança.
HOMEM 2( lendo o cartão calmamente)
Personal Friend, ou amigo executivo. Um acompanhante moderno, com muito respeito, para qualquer momento em que você precise de um amigo experiente ao seu lado.
HOMEM
Vai gostar dele. É simpático, honesto, bem humorado, assim como você.
HOMEM 2
Vai me abandonar como todas as pessoas, não vai?
HOMEM
Sei que encontrará novos amigos.
HOMEM 2
Mas eu quero você! Quem vai me levar a praia? Tomar chopp comigo as sextas,
pôquer aos domingos, apedrejar os pombos no aterro...
HOMEM
Não sei! Entenda, dessa vez é definitivo. Estou mudando de profissão. Adeus.


HOMEM e HOMEM 2 se abraçam.


HOMEM sai. Silêncio. HOMEM 2, emocionado, ameaça falar alguma coisa, mas por fim não reage. Em seguida, olha novamente para o cartão.

HOMEM 2( pegando o celular e disca.)
Oi. Rubens Bacelar? Quem me indicou você foi o Cláudio Amado. Sabia que eu tenho um tio chamado Rubens? Bom, eu adoro pescar, ir ao shopping, esse sol está ótimo para um passeio no parque não está? Gosto de shopping e praças com pombos também. As quartas tem uma peça de teatro que eu adoro. Podemos marcar de ver? Ah, tudo bem, eu também prefiro cinema, é mais divertido. Sei cozinhar...




A luz vai baixando. B.O




Fim.



______________________


EU VOU CHAMAR O SÍNDICO
Leandro Muniz



Início de uma espécie de reunião. Síndico está de pé. Cerca de 8 pessoas estão sentadas esperando Síndico falar (Figurantes moradores). Síndico é um homem tosco, mal vestido, feio, sujo, sempre suando embaixo do braço e na testa, que enxuga constantemente com um lenço. Jussara e Juliana são mulheres bonitas, elegantes, arrumadas.

SÍNDICO
Boa noite a todos. Bem, o albatroz-errante ou albatroz-gigante é uma ave da família Diomedeidae, que habita a maior parte do oceano austral, nas margens do gelo que circundam a Antártica e, ocasionalmente até mais ao norte, com alguns registros fora da Califórnia e no Atlântico Norte. Durante o inverno, a maior parte das aves se concentra ao norte da Convergência Antártica. (pequena pausa) Bem, essa reunião não tem nada a ver com isso. Podemos começar?

UM DOS FIGURANTES
Com licença. Vai ter algum lanche hoje?

SÍNDICO
Não.

6 figurantes levantam- se e saem de cena. Juliana, Jussara e Síndico, olham para eles, e acompanham suas saídas em silêncio.

SÍNDICO( fala pra si)
Esse albatroz me intriga...
JULIANA
É bom mesmo que essa reunião seja para poucos, visto que temos muitas coisas para resolver, não concorda seu Vitório?
SÍNDICO (gagueja)
Bom... Eu...
JUSSARA
Concordo inteiramente com essa desclassificada, inclusive já estou no meu limite, e quero uma posição sua seu Vitório.


JULIANA
Meu Deus, mas será que não bastou o que essa infeliz escreveu a meu respeito no livro dos condôminos seu Vitório?
JUSSARA
Seu Vitório, fala pra essa mulher que se ela me ofender novamente eu não respondo pelos meus atos seu Vitório?
JULIANA
Seu Vitório, diz pra essa “esculhambada porteira dos infernos” que se ela cruzar o meu caminho novamente vai ter agressão seu Vitório?
JUSSARA (rindo)
Ah, seu Vitório, por favor, responda a essa “pilantra salafrária vigarista”, que aquele maridinho cafajeste dela, só não quer comer o senhor seu Vitório!
JULIANA
Seu Vitório, como é chato a inveja de uma mulher enlouquecida pelas falcatruas da mãe, e o divórcio traumático com o marido alcoólatra, né não seu Vitório?
SÍNDICO
Olha... Eu...
JUSSARA
Melhor um ex- marido alcoólatra e uma mãe ladra, a ser enganada!
JULIANA
Melhor ser enganada do que ser abandonada!
JUSSARA
Melhor calar essa matraca antes que eu cuspa na sua caroça!
JULIANA
Melhor receber uma cusparada do que ter os olhos rasgados pelas minhas unhas!
JUSSARA
Melhor ser cega a ter que conviver com uma vizinha que tem um zoológico em casa!
JULIANA
Idiota!
JUSSARA
Inútil!
JULIANA
Vaca!
JUSSARA
Calhorda!
JULIANA
Vadia, estelionatária, maconheira, piriguete criminosa!
JUSSARA
Piranha de esgoto!
JULIANA
Piranha de esgoto?
SÍNDICO
Eu...Olha...
JUSSARA
Seu Vitório, não responda a essa mulher demente, que não sabe o que fazer com tantos cachorros, sem contarmos as crianças demoníacas que ela pariu, seu Vitório seu Vitório...



JULIANA (faz-se de santa)
Seu Vitório, não... Eu não vou entrar no jogo desta senhora. Acredito que podemos resolver as coisas com mais elegância.
JUSSARA ( faz a santa também)
Seu Vitório, o senhor me conhece, eu jamais me meti em qualquer confusão e já moro aqui há 9 anos seu...
JULIANA
Vitório, não dê ouvidos a essa mulher suja que se insinua como uma rampeira!
JUSSARA
Seu Vitório, se eu fosse o senhor, já tinha dado na cara dessa mulher, ela está te provocando seu Vitório!
SÍNDICO
Mas...
JULIANA (alegremente cínica, como se fosse contar algo muito curioso)
Seu Vitório, você não sabe o que aconteceu hoje. Entrei com uma ação na justiça contra essa mulher por calúnia, difamação e danos morais...
JUSSARA
Seu Vitório, você não sabe o que aconteceu hoje. Adivinha com o marido de quem eu transei duas vezes num motel sujo e barato, e foi uma delícia seu Vitório?
JULIANA ( ameaçando)
Seu Vitório, adivinha o que eu trouxe na bolsa, sabendo que podia ter um barraco aqui?
JUSSARA
Seu Vitório, te contei que tenho uns contatos fortes na Vila Cruzeiro?
JULIANA
Te contei que tenho porte de armas?
JUSSARA
Te contei que meu primo já estuprou uma menor?


Silêncio.


SÍNDICO
Bem, não sei o que dizer depois de tantas informações. Mal consigo imaginar como essa história vai acabar. Os albatrozes costumam se isolar, e só voltam a freqüentar lugares ocupados por outros da espécie quando as geleiras...

Juliana tira uma arma da bolsa e ameaça Síndico, que se cala.

SÍNDICO
Eu estou te chateando?

JULIANA (mãos trêmulas segurando a arma, fala manso, mas bastante alterada)
Seu Vitório, fala pra essa mulher que se ela não sair do prédio hoje, pode se considerar... Pode não se considerar mais... Seu Vitório...
SÍNDICO (para Jussara)
Ela disse que...


JUSSARA (com medo, emocionada, quase chora)
Sim, eu não sou surda seu Vitório. Pergunte pra essa senhora, se ela sabe que se eu for embora agora, vou levá-lo comigo, seu Vitório...
SÍNDICO ( para Juliana)
Ela tá perguntando se...
JULIANA
Eu ouvi. Eu ouvi muito bem. Diga a ela, que sei de tudo... E que se apresse, antes que eu mude de idéia e mate os dois, sua piranha...Desculpe, seu Vitório...
JUSSARA
Obrigada.


Jussara corre, e sai de cena.

JULIANA (chorosa, perdendo a força, quase ofegante)
Hoje de manhã seu Vitório... Ele já estava, seu Vitório... Com as malas prontas...


Juliana larga a arma e começa a chorar, soluçante. Abraça o Síndico.



Fim.



_____________________________
Império do Amor
Leandro Muniz


Dois jogadores de futebol, prontos para treinar, jogam conversa fora.

HOMEM
Eu adoro “Free Willy”!
HOMEM 2
Mas você já leu Moby Dick?
HOMEM
Curto mais Stanislavski...
HOMEM 2
Ouvir Mozart enquanto leio Lacan, adoro.
HOMEM
O dadaísmo me encanta...


Entra Adriano(muito sério e másculo sempre). Silêncio. Os dois abaixam as cabeças, amedrontados.


ADRIANO (faz gesto positivo com a mão, mas fala sério)
Fala pessoal!

Os dois param de falar, olham para ele, e correm para abraçá-lo, animadamente.

HOMEM
Fala Adriano!
HOMEM 2
Que saudade!
HOMEM
Bom ter você de volta!
ADRIANO ( sem graça)
Pois é, tive alguns probleminhas, mas já foram resolvidos.
HOMEM 2
Estávamos torcendo por você!
HOMEM
Foi uma injustiça o que fizeram!
ADRIANO
As noticias correm né?
HOMEM 2
Sim, mas sabemos que você teve motivos.
HOMEM
A gente sabe que você é um cara do bem!
ADRIANO
Mesmo assim acho importante esclarecer.

HOMEM
Não precisa.
HOMEM 2
Olha, não precisa mesmo...
ADRIANO
Por volta das seis horas da tarde eu cheguei ao clube para treinar. O treino estava marcado para as 8 da manhã...
HOMEM
Normal..
HOMEM 2
Pô, todo mundo atrasa.
ADRIANO
O supervisor disse que o treinador queria falar comigo, eu disse que ele viesse até mim.
HOMEM 2
Natural, você devia estar cansado.
HOMEM ( compreensivo)
Foi dormir tarde, acordou cedo...
ADRIANO
Ele veio. E começou de blábláblá, dizendo que gosta muito de mim como pessoa...
HOMEM
Huumm... Que viadagem...
HOMEM 2
Esse treinador nunca me enganou.
ADRIANO
Ele começou a babar um pouco no canto da boca, já não é a primeira vez que isso acontece...
HOMEM 2
E?
ADRIANO
Eu já tava de saco cheio, quando ele disse: É melhor você parar de beber todos os dias!
HOMEM ( indigna-se)
Ele disse isso? Quem ele pensa que é?
HOMEM 2
Que absurdo! Você só bebe a noite!
HOMEM
Pode crê, nunca vi esse cara beber no treino!
HOMEM 2
Você é do bem cara, do bem!
ADRIANO
Bom... O resto vocês já sabem. Já tiraram o corpo dele de dentro do gol?
HOMEM 2
Já sim. A funerária veio cedinho aqui.
HOMEM
Dizem que entrou no ângulo. É verdade cara?

Silêncio.

ADRIANO ( tímido e sorridente)
Pô, é sim, é sim... Mó golaço...

HOMEM
Manero!
HOMEM 2
Você é foda!
ADRIANO
Pô, daí já temos um novo treinador, e eu fui liberado pela polícia.
HOMEM 2
Claro, nada ver terem te prendido!
HOMEM
Pô, quem nunca usou armas de fogo contra um treinador?
HOMEM 2
Quem nunca chutou um cadáver pra dentro do gol?
HOMEM
Quem nunca deu uma estupradinha numa funcionária?
HOMEM 2
Quem nunca teve um site de pornografia infantil?
HOMEM
Quem nunca fez uma cirurgia de aumento peniano?


ADRIANO e HOMEM 2, ficam olhando para Homem, que constrange-se.

ADRIANO
Chega de jogar conversa fora, vamos treinar?
HOMEM
Vamos.

Homem e Homem 2 começam a se alongar, ou fazer pequenas corridas pelo palco.

ADRIANO
Quer dizer, acho que eu vou pra casa.


Eles param de se alongar e/ou de correr, e olham pra Adriano.

HOMEM 2
Você que sabe.
ADRIANO
Muito estresse...
HOMEM
A gente entende.
ADRIANO
Pô, briguei com minha mãe hoje, deixei ela amarrada na cozinha, to meio bolado.
HOMEM 2
Coé cara, é por isso que você vai embora?
HOMEM
Bicho, você já foi mais irmão, parceiro!
ADRIANO ( estressado aproxima-se de Homem)
Coé mermão? Tu vai mexer com a minha mãe?

HOMEM
Não, que isso cara...
ADRIANO
Você ta me provocando, porra, você obrigado a te beijar, brother!
HOMEM 2
Calma Adriano, não faz isso cara!
ADRIANO
É isso mesmo! Vou beijar esse maluco, ta de marra pra cima de mim!
HOMEM
Coé parceiro, fica na moral!
ADRIANO
Eu to na moral, mas tu ta me provocando, e porra cumpade, tu é mó gostoso!
HOMEM 2
Calma cara!
ADRIANO
Calma nada, eu vou partir pra cima desse maluco e lamber esse corpinho todo amarradão!
HOMEM 2
Eu vou nessa, tenho que mandar um twitter pra minha vó, valeu!

HOMEM 2 tenta sair, mas é impedido por Adriano, que o pega pelo braço.

ADRIANO
Você também fica!
HOMEM 2
O que você quer?
HOMEM
Não basta todos do time que você já molestou?
HOMEM 2
Libera a gente cara!
ADRIANO
Não. Agora eu me alterei! Pô, to com mó tesão cumpade, bora fazer um troca-troca do bem!
HOMEM
Ai...
HOMEM 2 ( pra Homem)
E agora?
ADRIANO( se emputece)
Agora, geral vai ter que me beijar, senão eu vou ficar bolado e matar geral!

Adriano pega a cabeça dos dois, uma com cada uma das mãos, e fica forçando em direção a sua cabeça, como se forçasse os dois a o beijarem. Quando o beijo estiver muito próximo, as bocas bem próximas, os 3 atores param, e numa quebra começam a falar como atores, e não como personagens.

ADRIANO
Ok, beleza.
HOMEM
Beleza, já deu.

HOMEM 2( pra platéia)
A gente só ensaiou até aqui. (pros outros) Acho que deu né?
HOMEM
É, pode crê.
HOMEM 2
Então, é isso. Acabou a cena.
ADRIANO
Pode crê.

Os três vão saindo de cena, nesse clima meio “ok, acabou a cena, foi bacana”.
Durante a saída, Homem 2 fica no palco, e Adriano e Homem saem conversando.

ADRIANO
Poxa “fulano” (chama-o pelo nome do ator), bora tomar uma cerveja hoje, sei la, to amarradão em virar a noite contigo hoje, borá?
HOMEM
Coé mermão, sai fora.

Os dois saem de cena. Homem 2 fica sozinho no palco.

HOMEM 2 ( pra platéia)
Bom, eu queria pedir desculpas a todos aqui presentes. Foi uma cena um pouco estranha, nós não queríamos que acontecesse esse tipo de situação constrangedora, desculpem. Nem pretendíamos insultar os jogadores de futebol, muito menos os homossexuais, Lacan, ou Free Willy, que tanto amamos. Foi uma opção do autor (muda o tom para um tom mais íntimo com a plateia), que vamos combinar, não é láaa um autooor dos mais inspirados, não é mesmo? Peraí, só um segundo.

Homem 2 pega um papel do bolso, e começa a ler.

HOMEM 2 ( lendo o papel, rapidamente)
Foi uma opção do autor, que vamos combinar não é lá um autor dos mais inspirados, não é mesmo? Pega o papel do bolso, olha pra platéia, Black out rápido.


Black Out.



__________________________
TECNOLOGIA TELEPÁTICA
Intel desenvolve programa capaz de descobrir em quais palavras uma pessoa está pensando
O GLOBO – INFORMÁTICA – SEM DATA
LEANDRO MUNIZ


In - útil
Leandro Muniz

MULHER
Bom dia amor.
HOMEM
Bom dia meu anjo.


Os dois se beijam, rapidamente.

MULHER
Deu...
HOMEM
Formiga na cama? Deu. Hoje vou ter um dia cheio.
MULHER
Poxa amor, você vai trabalhar muito hoje? Eu...
HOMEM (manhoso)
Está morrendo de saudades?
MULHER (ri)
É.
HOMEM
Eu também to morrendo de saudades.
MULHER
Ai engraçado, hoje eu acordei com uma vontade de...
HOMEM
Eu fiz um suco de acerola com laranja pra você.

Homem sai de cena, e volta com o suco.

HOMEM
Toma.
MULHER
Nossa amor, eu ia dizer que tava com desejo, que sintonia!

Pausa. Ela olha pra ele em silêncio.

HOMEM
Eu também te amo.
MULHER (desconfia)
Você tá muito...
HOMEM (cortando)
Estranho hoje? Tô nada.
MULHER
Tá sim, olha só! Todo espertinho, respondendo as coisas antes de eu acabar de perguntar.
HOMEM
É impressão sua. Põe mais açúcar no suco logo amor, anda.
MULHER
Roberto, para de palhaçada. Eu não to achando a menor graça.
HOMEM
O que foi que eu fiz?
MULHER
O que você fez...Você tá...
HOMEM
Esquisito?
MULHER
É...
HOMEM
Adivinhando seus pensamentos?
MULHER
Sim!
HOMEM
Mas é bom que isso seja só uma brincadeira tola?
MULHER
Exatamente!
HOMEM
Calma amor, isso é só uma brincadeira tola.
MULHER (tranqüila)
Ai que bom. (cai a ficha, fica tensa) Peraí, você fez de novo! Caramba, assim você até...
HOMEM
Te assusto?
MULHER
Roberto!
HOMEM
Essa foi fácil.

Pausa.

HOMEM (assusta-se)
Como assim divórcio?
MULHER
Tava só testando.
HOMEM (aliviado)
Ah bom.
MULHER
Meu amor, o que tá acontecendo? Isso tudo é tão estranho. (num insight) Qual é a capital da República Tcheca?
HOMEM
Sei lá, como é que eu vou saber?

Pausa.

MULHER
Quem foi Abraham Lincoln?

HOMEM
Não lembro.

Silêncio.

HOMEM
Como é que é? Repete! Duvido você saber essa, perguntou e nem sabe, aposto!
MULHER
Beto!
HOMEM
Ignorante é você mocinha!
MULHER
Eu não falei nada!
HOMEM
Mas pensou obviamente!
MULHER
Obviamente?
HOMEM
Ora, não me venha com perguntas imbecis! Idiota é você! Burra é você! Ah, eu sou grosso? Foi você que começou, ah tá magoadinha? Agora vai chorar? Tá de TPM, eu não sabia! Como eu ia saber? Eu devia saber, tava na cara, né? Por isso tá aí me xingando! Ah, não falou nada? Falou sim que eu ouvi! Vai vai sim pra casa da sua mãe Maria Eduarda, é claro que te chamei de Maria Eduarda, eu to com raiva! Por que? Eu não tenho razão? Faz birra sim, faz, você acha que tá sempre certa, né? Que ótimo que você está pra explodir de ódio de mim! Que ótimo, porque eu...
MULHER
Chega!

Silêncio. Ele leva as mãos à cabeça, percebendo que passou dos limites.

HOMEM
Duda...
MULHER
Chega. Eu não aceito as suas desculpas.
HOMEM
Mas eu nem...
MULHER
Mas pensou. Aliás, eu nem preciso ter o “dom da adivinhação” pra saber que os homens falam o que querem porque acham que depois facilmente serão perdoados. Comigo não.
HOMEM
Duda desculpa. Eu me excedi. A culpa é toda minha. Aliás, a culpa é da Intel.
MULHER
Como é que é?
HOMEM
Sim, a Intel desenvolveu um programa capaz de descobrir em quais palavras uma pessoa está pensando.
MULHER
E ainda faz piada!
HOMEM
Não é piada, eu juro. Veja, esse chip aqui colado na minha nuca.

Homem mostra a nuca para Mulher.


MULHER
Que que tem? Isso não prova nada. Só mostra o quanto você enlouqueceu. Tipo: “Veja esse mouse aqui enfiado no meu...”
HOMEM (interrompe)
Por favor, acredite em mim! Eu consegui esse chip com um amigo na empresa. Depois que o coloquei, me deu uma sensação de poder absoluto, acho que me subiu um pouco a cabeça. Sabe, ontem eu roubei na adedanha, todos me acharam genial. Mas hoje foi horrível. Jamais imaginei que eu fosse perder o controle.
MULHER
Mas isso é tão...
HOMEM
Insano, eu sei... Mas isso pode ser útil para nós.
MULHER
Eu não acredito.
HOMEM
Ok, eu provo a você. Vamos lá, pense numa palavra.
MULHER
Pensei.
HOMEM
Idiota. Ok, bela palavra, pensa em outra. Martelo, melhor...
MULHER
Que incrível, não to acreditando!
HOMEM
Não é sensacional? Mais uma vai.
MULHER
Pensei.
HOMEM
Cachorro.
MULHER
Não.
HOMEM
Macaco.
MULHER
Também não.
HOMEM
Mas tem pêlos não tem?
MULHER
Tem.
HOMEM
Sabia! O programa tem uns defeitinhos, mas ele consegue detectar o assunto. Por exemplo, eu sei que você pensou numa palavra com pêlos.
MULHER
Sim.
HOMEM
Qual é a palavra?

MULHER
Tony Ramos.
HOMEM
Ah... Quase. Mas não é fantástico?
MULHER (cai em si)
O que é fantástico Roberto? No que isso pode ser útil Roberto? O casal campeão de adedanha? Ah já sei, você quer ser o Xico Xavier do Soletrando?
HOMEM
E ainda faz piada. Estou falando de algo que pode mudar nossas vidas!
MULHER
O que?
HOMEM
Ganhar um talk shows de perguntas e respostas.
MULHER (anima-se)
Tipo Show do Milhão?
HOMEM
Tipo!
MULHER (desanima-se)
Não vai dar certo.
HOMEM
Como não?
MULHER
Acabei de fazer com você aqui, e não deu certo.
HOMEM
Mas você não estava olhando pra fichinha com todas as respostas.
MULHER
Tá fraco. Mais alguma sugestão?
HOMEM
Ter um programa exotérico de sucesso?
MULHER
Pode ser, mas acertando só palavras?
HOMEM
Já sei. Descobrir senhas...
MULHER
O melhor de hoje foi o suco.
HOMEM
Se defender de assalto!
MULHER
Amor, desiste.
HOMEM
Mas essa do assalto é ótima.
MULHER (debocha)
É ótima! O ladrão anda na rua pensando nessa palavra. Assalto, assalto, assalto. E dã, você percebe e foge dele. Mas daí ele mostra a arma, e você fala “Olha, sabia que você tinha uma 38, eu tenho um chip na nuca!”
HOMEM
Você está sendo debochada.



MULHER
A Intel desenvolveu um programa capaz de descobrir em quais palavras uma pessoa está pensando. A Intel sabe a palavra que to pensando agora, você sabe? Fala junto comigo.
HOMEM (desanimado) e MULHER
Foda-se!
MULHER
Pois é.
HOMEM
Eu não acredito. Tinha tanta esperança de que isso mudasse nossas vidas. Que com isso você me admirasse mais, ficasse menos distante, mais carinhosa... Sinto saudades dos nossos tempos de namoro.
MULHER
Meu amor, isso tudo é impressão sua. Nossos tempos de namoro nunca foram bons. (ri) To brincando. Ei, psiu... Eu te amo, ouviu? Te amo demais. Sou louca por você, muito feliz no nosso casamento, quero você comigo pra sempre, ver você envelhecer, nossa famíla crescer, então por favor para de ser paranóico!
HOMEM
Meu amor!

Música romântica. Os dois se beijam, apaixonadamente. Black Out.

No escuro.

HOMEM
Peraí, Motel Village Palace? Que isso? E quem é Arnaldo?
MULHER
Calma amor... Não é nada disso...
HOMEM
Arnaldo? Arnaldo é a puta que te pariu! Intel filha da puta!


Fim.

________________________
Apresentador é demitido ao ser pego bebendo em programa ao vivo
Kimmo Wilska pretendia fazer uma brincadeira interna.
Incidente ocorreu em programa da emissora finlandesa 'YLE'.
SITE G1 15/10


JELEJORNAL
Leandro Muniz


Bancada típica de telejornal. Vinheta de abertura. (É importante que a vinheta seja qualquer coisa, menos uma vinheta copiada de um telejornal conhecido, pois não se trata de uma sátira a nenhum telejornal que existe.)
Vemos Apresentador em sua bancada. Ele está bastante bêbado, mas no início consegue dar as notícias com fluência e rapidez.


APRESENTADOR
Boa noite. Eu sou Clóvis Sampaio, e começa agora a segunda edição do “Fast News”. Aqui você não perde nada importante que acontece no país e no mundo. A notícia aqui, chega mais rápido pra você.
(Olha para a sua diagonal direita como se houvesse uma câmera).
Menores fogem de carro em Minas para buscar (dá uma mini risada e se controla) um cavalo na Bahia. Um adolescente de 14 anos e uma criança de 11 dirigiram pela BR-381 e BR-262. ( dá uma leve risadinha) Roda o VT.


Uma repórter (Jussara Gouveia) entra no canto do palco, a esquerda de Apresentador e fala, como se fosse uma matéria gravada. Apresentador comenta a noticia pra si e pra a equipe ao mesmo tempo em que ela fala o texto. Ela nunca para de falar para ouvi-lo nem interage com ele.

JUSSARA GOUVEIA
A polícia rodoviária federal já encontrou o adolescente de 14 anos e seu irmão de 11, que dirigiram até a cidade de Rio Casca. De acordo com a polícia, os menores saíram de casa para buscar o cavalo do avô, que teria fugiu. Uma pessoa disse á eles que tinha visto o animal na Bahia. A família já foi notificada e eles foram levados para o Conselho Tutelar de Barão de Cocais. Jussara Gouveia para o Fast News.

APRESENTADOR ( ao mesmo tempo que ela fala)
Que absurdo né? A pessoa cria o filho pra isso? (PEGA UMA GARRAFA DEBAIXO DA BANCADA E BEBE). Deve ser um bando de capiau ignorante também, né? Agora vai fazer o que com o cavalo? Vai voltar de cavalo? Vai botar o cavalo dentro do carro e trazer? Criança imbecil. É por isso que eu não vou ser pai nem fudendo. (GUARDA A GARRAFA)


JUSSARA acaba de falar e APRESENTADOR sobra falando.


APRESENTADOR
Se fosse filho meu tinha apanhado na cara.
(Percebe que voltou a câmera pra ele e disfarça. Olha para a diagonal direita como se tivesse uma câmera).

APRESENTADOR
Mulher traída não vai ao resgate no Chile e marido é recebido por amante. ( muda o tom e fala com a equipe) Essa eu já tinha falado,não tinha? Eu já tinha falado isso hoje não tinha Tânia? Não é matéria repetida isso? Eu acho que eu já falei essa no ar hoje, não falei não? ( Se espreguiça na cadeira bem displicente) Tem certeza? Eu sei que tá no ar Tânia, mas o telespectador não é palhaço! Se eu já falei essa matéria hoje, não pode repetir, correto? (Se irrita) O que está acontecendo com vocês aqui hoje? Tá tudo alterado aqui hoje! Tá tudo meio solto. (PARA PRA OUVIR) Certo, eu não tinha falado ainda. Era isso que eu queria saber. Custa você me falar? (RESPIRA) Então vamos lá. (OLHA PARA A DIAGONAL DIREITA) Mulher traída não vai ao resgate no Chile... ( muda o tom e fala com a equipe) Não dá tempo? Comercial? Ah, entendi, é pra eu correr que vai dar tempo? Ok. Vou correr pra dar tempo. (Fala rápido) Mulher traída não vai ao resgate lá lá lá e marido viu a amante, etc. Entra a matéria.

Entra a mesma repórter, JUSSARA GOUVÊIA, no canto esquerdo do palco. Ela fala seu texto, e ao mesmo tempo Apresentador faz comentários e ações na bancada.

JUSSARA GOUVEIA
A mulher traída que não foi ao resgate do marido no Chile deu entrevista essa manhã. Segundo o jornal argentino Clarín, Marta já sabia da existência da amante do marido desde o acampamento dos mineiros organizado pelo governo chileno. Ela disse estar contente porque ele se salvou, mas que não iria ao resgate. (lê um papel) Ele me pediu para ir ao resgate mas também convidou a outra senhora e eu tenho decência”, disse a mulher traída. “É ela ou eu”, havia afirmado Marta. Ela cumpriu a promessa e não apareceu para receber o mineiro. Jussara Gouveia, para o Fast News.


APRESENTADOR (ao mesmo tempo)
Mas de novo essa repórter? Pelo amor de Deus, não tem outra repórter no canal, é sempre a mesma? Vocês querem me enfiar essa mulher goela abaixo, de novo a mesma voz, a mesma entonação. Morre alguém ela fala desse jeito, Brasil ganhou no vôlei outro dia, e ela bla bla bla, parece uma defunta, pensei que tinha morrido alguém. Quer dizer, cadê a amante do cara falando que é corna? Não tem. A imagem que é bom não tem? Ô, diretora (abre o olho com o dedo) Abre teu olho aí. Tá chatinho essa repórter. Hein diretooooooora? Alôooo? Se bem que nessa ela se virou bem. Olha a propriedade com que a Jussara Gouveia fala a matéria da corna.

Repórter acaba de falar e Apresentador começa a cantar como coro de torcida.


APRESENTADOR ( já bem mais transtornado)
“Corna! Corna! Corna! (Tira uma vuvuzela de baixo da bancada e sopra). Segue cantando. Corna!” (Pega sua garrafa e a deixa em cima da bancada e bebe gargalhando.)
Dia péssimo pra essa senhora Marta né? Eu acho o seguinte, tem que trair mesmo! Sentiu tesão corre atrás, trai mesmo, vai fundo, perde a linha! A vida é muito curta ô cacete. E sexo é bom demais. Vamo trair, a fila anda meu povo. E ela é corna mansa, sabe de tudo e ainda dá entrevista. O mundo inteiro fica sabendo. Satisfeita agora Marta? Hein? Corna e burra. Concorda Tânia? Tânia é a nossa diretora que tá aí pra não me deixar mentir, que mulher quando tem vocação pra ser corna ninguém segura. Né não Tânia? Uma fofa a Tânia, tá ali me dando tchau, gesticulando com os braços, fofa. Que beleza. Que que vem agora? Tá desligado esse teleprompter? Não to enxergando nada. Alguém ajuda aqui? Ajuda aqui Marcelo? To falando, tá todo mundo alterado aqui nessa caceta hoje. Peraí, tem um papel aqui com as notícias, perai, vamo lá. ( Pega uns papéis em cima da banca e tenta ler, enquanto dá uns goles.) Esse é o Fast News ( debocha lendo bem lento) Porque a notícia aqui, chega pra você mais rápido. ( gargalha) Eu não posso fazer nada, vocês imprimem essas letrinhas minúsculas e eu que tenho que resolver. Acabou isso hein! Quem é o responsável por isso aqui? Tá demitido. (Gargalha)To brincando. Vamo lá. Morre Kurt Cobain, se matou! ( Cai na risada) Inventei,imagina, notícia velha! ( Gargalha. Respira eforça a vista pra ler o papel) Tá foda, não ta dando pra ler. Morre Kurt Cobain, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison, todos esses morreram, se mataram! Pronto, acabou o jornal, agora eu vou me matar (cai na gargalhada) Imagina, morre Getúlio Vargas, daí eu falo “Boa noite” E dou um tiro na cabeça ( gargalha) Aí diretora, pronto, já dei cinco furos de reportagem pra você em menos de um minuto, é o fast food de notícia vem até você, não, a noticia chega aqui mais rápido. (gargalha) Ai gente, que dor na barriga, ai não agüento mais rir, ai cacecete...
(Olha pro teleprompter) Alá, agora eu to vendo. Consertou? Vamo lá. Suspeito de agredir namorada em São Paulo diz que era traído em pensamento. (comenta) Como se a gente precisasse de motivo pra espancar uma vagabunda né? Bom, a repórter Jussara, ( Jussara entra no canto do palco e aguarda. Apresentador para de ler e comenta) Peraí, de novo a Jussara, ah não minha gente, de novo a mesma repórter, hein? Cadê os outros, só tem ela agora na emissora, é isso? Ah que legal, olha a Jussara de novo, porra! É chato isso, repetitivo, cacete. Ah ela tá ao vivo né, agora eu li ali. A repórter Jussara Gouveia, nossa repórter maravilhosa, está lá ao vivo na porta do prédio da mulher agredida com novas informações. É com você Jussara.


Jussara fica um tempo em silêncio, chocada com Apresentador.


JUSSARA
Perfeito. Estamos aqui ao vivo do bairro da Consolação, exatamente em frente ao prédio da agredida Roberta de Oliveira...

APRESENTADOR
Isso eu já falei Jussara...

JUSSARA
Oi?

APRESENTADOR
Eu já falei isso Jussara, pelo amor de Deus. Alguma novidade você tem que me dizer, tem que dizer ao telespectador.


JUSSARA
Perfeito Clóvis... A agredida...

APRESENTADOR
Se você ficar nesse lenga lenga não há quem agüente Jussara.

JUSSARA
Sim Clóvis, a agredida confirmou a imprensa de que daria uma entrevista daqui há alguns instantes.

APRESENTADOR
Ótimo, então quando ela aparecer você me chama, dãaa. Se não tem nada agora não enche a porra do meu saco.

JUSSARA
É, outra coisa é que segundo os moradores...

APRESENTADOR
Ai caguei Jussara, caguei( tampa os ouvidos) Lá lá lá, não quero ouvir, Jussara é mala, lá lá lá....

JUSSARA
Os moradores afirmam que viram o agressor...


APRESENTADOR coloca um enorme fone de ouvido e começa a cantar.


APRESENTADOR ( canta Single ladies da Beyoncé)
I´m a sigle ladie, i´m a single ladies…..

Jussara desiste e sai de cena.

APRESENTADOR (tira o fone de ouvido.)
Bom, vamo lá e pra acabar o nosso Fast News segunda edição. Comerciante morre engasgado após comer mocotó em bar no Espírito Santo. Foda-se. Caguei pro Espírito Santo e pros comerciantes que comem mocotó. (ri muito) Vamos a outras notícias mais importantes minha gente, que são relevantes para a população, que vão mudar a humanidade de algum jeito. Tipo, o homem pisou na lua. Entendeu? Isso é uma boa notícia. Quer ver? Escândalo: Morre John Lennon. Isso é uma notícia impactante, é disso que eu to falando, hein Marcelo, hein Tânia. Vamo rever os nossos conceitos. Por exemplo: Eu tenho mamilos deliciosos. Isso é uma notícia importante e eu tenho imagens da matéria. Olha só... ( Desabotoa a camisa ) Tem que mostrar, eu vou provar pra vocês. (Começa a alisar os mamilos e fazer cara sexy de que está gostando) Olha só que delícia. Quer pegar Marcelo? Huumm...Deliciosos, são do mesmo tamanho eles, impressionante. E atenção, eu tenho mamilos gostosos e posso provar. Vejam! Agora é o seguinte (sobe na bancada) Vou mostrar a tatuagem que eu tenho de um dragão chinês na minha virilha.


(Começa a tirar a calça e fica de cueca samba canção.)
Entram dois seguranças e tentam tirar Apresentador da bancada a força. Ele tenta fugir, rebola em cima da bancada com as calças arriadas, resiste, mas depois é tirado....etc...)


APRESENTADOR (Sendo carregado, completamente bêbado)
Eu sou Clóvis e esse foi mais um Fast News, as 23h tem a terceira edição. Boa noite!



Ouvimos o barulho deles caindo na coxia. Vinheta do jornal. Cai a luz.


FIM

_______________________________
LAR FELIZ
Leandro Muniz




MÃE
Bom, eu chamei todos vocês aqui porque precisamos ter uma conversa muito séria.

BOB
Você trocou de namorada de novo mamãe?

MÃE
Não.

KIKA
Vamos levar os cachorros para o parque aquático?

MÃE
Também não. Quero que saibam, antes de mais nada, que eu pensei muito ao tomar essa decisão.

ANIELA (com sotaque)
Eu não entender mama, falar menos devagar.

MÃE
Desculpe filha, vai ouvindo e depois seus irmãos traduzem pra você.

ANIELA (desanimada)
Quero voltar para a Polônia.

MÃE
Reuni vocês porque não agüento mais essa situação. Vocês precisam cuidar das suas vidas, constituir suas famílias, dar vazão aos seus desejos...

BOB
Já entendi. Quer nos expulsar de casa!

KIKA
Eu sabia, ela nunca tolerou a presença dos meus amigos!

MÃE
Deuses... Não consigo enxergar onde errei, mas chegamos a um limite insuportável!

ANIELA
O que quer dizer “insubornável”?

Bob dá um dicionário para Aniela.


MÃE
Vejam seus outros irmãos. Ibsen virou gerente de lojas, Stephany é preparadora de elencos infantis, Joana está grávida de um jogador de futebol, Akira Tai Mi Su abriu um restaurante em Kanagawa, Ragin é flanelinha, e Clóvis faz teatro na Univercidade.

BOB
O que está insinuando?

MÃE
Todos eles deram um rumo a suas vidas.

KIKA
E nós não prestamos pra nada? Somos os filhos inúteis?

ANIELA (folheando o dicionário)
O que “ser” Univercidade?

MÃE
Claro que vocês não são inúteis. Veja você Kika, tão amável com os animais. Quer fazer programas diversos com os labradores, e cuida tão bem dos seus chipanzés.

KIKA
Sim mamãe, sabia que Jussara está grávida?

MÃE
Mas sempre achei um exagero levá-los a Disney. E as dezoito jibóias, onde vamos botá-las?

KIKA
Você não compreende? Elas são amigas e precisam ficar juntas!

MÃE
Não temos mais espaço. O hipopótamo Shirley ocupa todo o jardim!

KIKA
Você odeia meus amigos e sempre me odiou!

MÃE
Filha, mamãe te ama. Mas acredito que 42 anos seja idade suficiente para você ser independente.

ANIELA (lendo o dicionário)
Na Polônia as mulheres “gostar” de ir pra cama com mendigas. Minha vagina está explodindo.

MÃE (brigando)
Bob, eu já não te proibi de confeccionar dicionários pra sua irmã?

BOB (pegando o dicionário de volta)
Você só critica a gente. Mas não dá satisfações sobre suas reuniões esquisitas!
KIKA
Meus animais são inofensivos perto dessas reuniões preconceituosas!

KIKA E BOB
É, é! Isso mesmo!

MÃE
Já expliquei a vocês, somos feministas! Não há preconceito nisso, ao contrário, nos reunimos para lutar pelos direitos das mulheres, e informar a comunidade de que todos devem ser tratados de maneira justa e igualitária.

BOB
Você não me trata de maneira igualitária. Eu sou o filho mais repreendido! Vive jogando na minha cara que eu não trabalho!

MÃE
Mas eu sou sua mãe! E você está desempregado há 15 anos!

BOB
O mercado de trabalho é muito competitivo.

MÃE
Seu último emprego era de técnico de vídeo cassetes! Agora você só consegue se empolgar com essas malditas festas temáticas!

BOB
Não fale assim das minhas festas Geek!

MÃE
Falo sim! Sempre te apoiei, mas aqui em casa, nunca mais!

BOB
Eu não acredito! Sexta que vem temos uma festa do Avatar!

MÃE
Desmarque!

KIKA
Mas mamãe?

BOB
Eu te odeio, eu vou me matar, eu vou me trancar na aeronave e você nunca mais me verá e nem verá meu avatar!

MÃE
Você precisa amadurecer!

ANIELA
Avatar na Polônia é um sucesso!

MÃE ( para Aniela)
Cala a boca!

KIKA
Mamãe pare de repreendê-lo! Você lembra a última vez que brigou com ele?

MÃE
Ele tentou se enforcar com o laço da Mulher Maravilha. Mas ele tinha inundado a casa, dizendo que estávamos no navio dos Piratas do Caribe!

BOB
Você destruiu aquela festa, como todas as outras! A festa do Lost...

MÃE
A festa do Lost você queria que durasse a temporada de seis meses!

KIKA
Você nunca me deixou ter uma girafa!

ANIELA
Ninguém vai traduzir?

MÃE
Chega, chega! (explode, Para Bob) Pegue suas coisas todas, as fantasias, os bonecos, roupas e vá embora!

BOB (choroso)
Não mãe! Não!

KIKA
Monstra!

MÃE (irritada, para Kika)
E você tem 48 horas para recolher suas coisas e todos esses seus animais! Pelo menos assim você acorda pra vida e esquece aquele seu ex-namorado!

KIKA (sensível)
Eu jamais vou esquecer o Ted.

MÃE (suave)
Ele é um urso filha, um urso. ( muda pra um tom mais forte) Vão embora! Essa é a minha casa! Eu decido, e eu não quero mais vocês aqui!

ANIELA (boquiaberta e contemplativa)
Português é uma língua bonita...

BOB
Mamãe, por favor...


KIKA (ajoelha-se)
Mamãe pelo amor de Deus!

Pausa. Silêncio. Todos muito arrasados.


MÃE (emocionada)
Ah filhos... Venham aqui, venham aqui!

Mãe chama os filhos abrindo os braços, como quem pede um abraço. Bob e Kika correm para abraçá-la. Aniela os abraça por último.

BOB (choroso)
Mamãe, eu tentarei arranjar um emprego!

KIKA (chorosa)
Eu vou ter menos animais em casa!

MÃE (chorosa)
Meus filhos... Eu jamais teria coragem de fazer isso com vocês, de tomar essa decisão sozinha... Podem entrar!


Entram dois homens de preto encapuzados, e levam a força Bob e Kika, que saem resistindo, e gritando.


MÃE (para plateia, falando como atriz num comercial)
Se você está enfrentando o mesmo problema que essa mãe, e não consegue ter a coragem necessária para se livrar desses filhos cangurus manipuladores, ligue para nós. Os Interceptores do Lar Feliz estão sempre prontos para te ajudar, se responsabilizando por toda a reestruturação de sua residência e garantindo a você, sempre, todo o conforto. Interceptors Happy Home, sucesso na Irlanda e Polônia, agora também no Brasil!

ANIELA (fazendo sinal de positivo sorridente, junto com Mãe)
É demais!

Vinheta.
Black Out.

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EXERCÍCIO QUE CURA
Esporte na dose certa é ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos e emocionais
Jornal O Globo – Ciência – domingo 07 de março de 2010
LEANDRO MUNIZ


MARATONA SAÚDE
Leandro Muniz



Homem está sentado, triste, com as duas mãos segurando a cabeça baixa.
Entra Mulher. Ela o vê, e percebendo a tristeza de Homem, pára e fala com ele.


MULHER
Oi.

HOMEM levanta lentamente a cabeça, e estranha a desconhecida.

HOMEM
Oi.

MULHER
Sabia que esporte na dose certa é um ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos e emocionais?

HOMEM (anima-se e abre um sorriso)
Jura?

MULHER
Juro!

HOMEM ( muito feliz )
Obrigado!

MULHER (muito feliz, dando tchau)
De nada, boa sorte!

Homem começa a correr feliz, e saltitante. Mulher sai. Homem dá a volta correndo no palco. Nesse ínterim, entra um mendigo com uma garrafa de bebida, e deita. Homem aproxima-se de Mendigo.

HOMEM
Sabia que esporte na dose certa é um ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos e emocionais?

MENDIGO (levanta animando-se)
Sério?

HOMEM
Sério cara!

Mendigo deita de novo. Homem fica olhando. Em seguida, Mendigo começa a fazer abdominais animadamente.

MENDIGO
É demais!

Homem volta a correr saltitante, Mendigo levanta e os dois correm juntos, animadamente, dando uma volta no espaço. Uma colegial entra em cena, falando no celular.

COLEGIAL (chorando muito)
Eu não acredito mãe, coitada da vovó!! Não!!!

Homem e Mendigo vêem Colegial, param de correr, e aproximam-se dela.

HOMEM( feliz)
Ei menina, não fique assim. Sabia que esporte na dose certa é um ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos...
MENDIGO (feliz)
E emocionais?
COLEGIAL (enxuga o choro, e anima-se)
Não sabia!

Colegial, sorridente, tira uma bola de basquete da mochila, e começa a quicá-la feliz pelo espaço. Em seguida, Homem e Mendigo (que mexe os braços, alongando-os) continuam a correr dando voltas pelo palco. Colegial vai atrás deles, quicando sua bola de basquete.
Entra Político, de terno. Ele pega uma arma e aponta para a própria cabeça. Os três param de correr e aproximam-se.

HOMEM
Deputado?
MENDIGO
O que está fazendo?
POLÍTICO
A justiça determinou quebra de sigilo bancário, dos meus bens e dos bens da minha esposa.
COLEGIAL
Por favor, não faça isso.
POLÍTICO
Estou envolvido num...
MENDIGO (completa feliz)
Já sei, esquema de desvio...
HOMEM (completa animado)
...De verbas públicas? E daí?
COLEGIAL
Vossa Excelência não sabia que esporte na dose certa é um ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos e emocionais?

POLÍTICO tira a arma da cabeça lentamente.

POLÍTICO
Eu sabia, sabia sim... (emociona-se) Mas eu tinha me esquecido.

Uma bola de futebol é arremessada de fora de cena para Político, que a agarra( ou pára a bola com o pé). Todos olham atentos para ele. Político fica feliz, e até arrisca umas embaixadinhas.

POLÍTICO
Obrigado meninos!
HOMEM
Vamos!

Os 4 correm juntos e felizes, cada um executando sua própria corrida. Colegial quica a bola, Político conduz a bola com os pés, Mendigo corre alongando os braços e Homem corre saltitante.
Entra Aposentado, ele parece um pouco cansado. Todos param de correr e aproxima-se.

HOMEM
O senhor está triste?
APOSENTADO (enxuga a testa com um lenço)
Sim, estou há 4 dias na fila para pegar minha aposentadoria, e nada. E não estou me sentindo muito bem.
POLÍTICO
Ora querido amigo cidadão idoso. O senhor sabia que esporte na dose certa é um ótimo aliado para se recuperar de traumas físicos e emocionais?
APOSENTADO (feliz)
Não! Olha só, e eu que achava que sabia de tudo!
HOMEM
Vamos!

Os cinco voltam a correr, e Aposentado por motivos óbvios vai ficando para trás, não consegue mais acompanhar os demais. Anda lentamente, começa a passar mal e desmaia. No chão, ele estrebucha um pouco. Morre. Tudo isso acontece muito rapidamente, mas todos continuam correndo, e ninguém dá atenção a Aposentado, é como uma piada de “fundo de cena”.
Homem, Mendigo, Colegial e Político avistam Espectador, triste na platéia. Todos param juntos e olham para Espectador, com Homem sempre a frente do grupo.

HOMEM ( sempre feliz)
Ei amigo!
MENDIGO
Não fique assim!
COLEGIAL
Por que você está triste?
ESPECTADOR
Porque não estou gostando dessa cena. Achei muito repetitiva.
POLÍTICO
Mas você sabia que esporte na dose certa...
MENDIGO
É um ótimo aliado para se recuperar...
COLEGIAL
De traumas físicos e emocionais?
ESPECTADOR
Sabia, mas eu não gosto de esportes, nunca pratiquei, e nunca tive nenhum problema de saúde.

Todos suspiram desanimados.

TODOS ( tristes)
Ahhh...

Nas próximas frases, todos vão se dispersando tristes pelo espaço, enquanto se despedem.

HOMEM
Vamos embora então...
MENDIGO
Cansei também...
COLEGIAL
Preciso ir ao enterro da minha vó.
POLÍTICO
Eu tenho que me matar ainda hoje.
MENDIGO
Alguém tem um trocado? (ninguém responde)
HOMEM
Então beleza!
MENDIGO
Tchau!
COLEGIAL
Beijo!
POLÍTICO
Valeu!

Todos saem. Palco vazio. Aposentado, deitado, num último suspiro.

APOSENTADO ( ofegante morrendo )
Se eu tivesse praticado mais esportes...

Aposentado morre.


Fim



________________________________
Mentirosos Compulsivos
Leandro Muniz


Numa sala estão sentados João, Pedro, Artur, Visitante 1 e Visitante 2.
Visitante 2 está o tempo todo quieto, prestando atenção a tudo. Mediador, de pé, dá início à sessão.

MEDIADOR
Boa noite!

TODOS (desanimados e desencontrados)
Boa noite!

MEDIADOR
Bem vindos a mais um encontro dos Mentirosos Compulsivos. Pelo que estou vendo temos novos amigos hoje na reunião.

JOÃO
Não temos não.

MEDIADOR
Temos sim João, você não está vendo?

JOÃO (inexpressivo)
Não consigo enxergar, oh meus olhos! Estou cego.

MEDIADOR
João, pare de agir assim. Todos nós estamos aqui por um único e mesmo objetivo.

PEDRO
Ontem eu transei com uma atriz de televisão na Avenida Rio Branco às 5 da tarde!

JOÃO
Mentiroso!

MEDIADOR
Silêncio! Por favor, rapazes. Hoje é um dia especial. Completamos seis anos de encontros semanais constantes, e nítidos progressos de seus comportamentos.

PEDRO
É verdade.

MEDIADOR
Quero, portanto, que vocês dêem boas vindas a dois novos colegas. É possível?

(Silêncio.)

MEDIADOR
Artur, você não fala nada? Tá tão calado hoje.

ARTUR
Eu faltei.

MEDIADOR
Artur...

ARTUR
Eu faltei hoje, sério, faltei. Eu faltei, faltei hoje, faltei.

MEDIADOR
Mas Artur, você está aqui, não está?


ARTUR
Estou.

MEDIADOR
Então...

ARTUR
Mas eu faltei.

MEDIADOR
Ok. Você faltou.

ARTUR
E eu morri também.

MEDIADOR
O que?

ARTUR
Eu morri. Eu faltei porque eu morri. Eu me matei.

MEDIADOR
Ok.

(Breve momento de silêncio).

MEDIADOR
Entendo o silêncio de vocês. Mas somos como um time certo?

PEDRO
Eu não posso pertencer ao mesmo time do Artur.

MEDIADOR
Por que?

PEDRO
Porque ele é um evangélico desgraçado e a mãe dele é uma vaca!

MEDIADOR
Pedro!

PEDRO
Desculpe senhor, mas eu me tornei tão sincero e verdadeiro com o tratamento que não consigo mais mentir. Odeio esses evangélicos malditos e a vadia da mãe dele!

ARTUR
Eu não sou evangélico!

Artur levanta e ameaça ir pra cima de Pedro, que reage, mas os dois são acalmados por Mediador. João fica imóvel, escondendo o rosto com as mãos e fazendo um som estranho e baixo, como se chorasse.


MEDIADOR
Meninos, por favor. (para Pedro) E você? Eu já não disse milhões de vezes para não falar esse tipo de palavra chula?

PEDRO
Evangélicos?

MEDIADOR
É assim que mostramos aos novos participantes o quanto evoluímos? É esse tipo de conduta que apresentamos numa primeira visita? O que já conversamos sobre a primeira impressão?

JOÃO (tímido, como se falasse em um jogral).
A primeira impressão é a que fica.

MEDIADOR
Muito bem João. A primeira impressão é a que fica. Vamos pedir desculpas a nossos novos parceiros? Sabiam que eles podem desistir de fazer parte de nossas reuniões depois de ver esse comportamento feio e sujo?

PEDRO
Desculpa ae porra.

ARTUR
Desculpa novos amigos.

MEDIADOR
Ótimo. Podemos começar então? Gostaria de pedir que cada um de vocês, novos componentes, se levante e se apresente nos falando seu nome, e o que cada um faz. Você. Pode começar.

VISITANTE 1
Meu nome é Juliana, Gisele, Roberta, Joana, Caetana, Maria, Paula, Bia, Elisa (pausa) Jussara de Oliveira.

MEDIADOR
Nossa, que nome grande.

VISITANTE 1
Tais... Maíra... Silva de Almeida, Alcântara de Andrade, Sousa (pausa) Bergeinstein.

MEDIADOR
Muito prazer... Posso te chamar de Maria?

VISITANTE 1
Bia.

MEDIADOR
Então meninos, vamos dar um alô para a Bia!

TODOS (desanimados e desencontrados)
Alô Bia!

MEDIADOR
Bia,o que você faz?

VISITANTE 1
Eu sou astronauta. O que foi? Não me olhem assim como quem diz “Lá vem mais uma astronauta encher o nosso saco!”, eu sei muito bem os preconceitos que nós astronautas sofremos nessa sociedade infétida e podre!

MEDIADOR
Imagina Bia. Acho muito interessante. Alguém quer comentar?

PEDRO
Uma vez eu transei com uma astronauta atriz de televisão, na Avenida Rio Branco ás 5 horas da tarde.

(Silêncio.)

JOÃO
Você conhece Marte?

VISITANTE 1
Conheço como a palma da minha mão. Mas parei de freqüentar, pois estou sendo perseguida por me dedicar ao sumô.

MEDIADOR
Você disse perseguida Bia?

VISITANTE 1
Sim, me seguiram quando vinha para cá. Eram homens de terno, armados. Eles perseguem astronautas lutadores de sumô.

MEDIADOR
E por que fariam isso?


Visitante 1 faz gesto para que Mediador aproxime-se dela,como se fosse contar um segredo.


VISITANTE 1 (cochicha)
Porque eles fazem parte de uma organização que assassina pessoas que acumulam funções distintas na sociedade.

MEDIADOR
Por exemplo?

VISITANTE 1
Um advogado, que também é dentista.

PEDRO
Entendi, tipo advogados que surfam?

VISITANTE 1
Isso.

JOÃO
Lacrais que viram borboletas?

VISITANTE 1
Pode ser.

PEDRO
Tipo jogadores de futebol pagodeiros, deputados maconheiros, padres pedófilos, atores que querem escrever, dirigir e produzir?

VISITANTE 1 ( anima-se)
Exatamente!

ARTUR ( animado )
Eu faltei hoje! Eu faltei!

MEDIADOR
Bom Bia, muito bom! Mas por que acha que eles agem dessa forma?

VISITANTE 1
Sinceramente? Acho que eles são a favor de uma “cultura de especialistas”. E não compreendem que podemos nos destacar tendo mais de uma habilidade, nessa sociedade infétida e podre!

MEDIADOR
Bia, por que veio aqui?

VISITANTE 1
Isso é fácil de perceber. Não consegue deduzir? Depois de tudo o que falei?

MEDIADOR
Me diga você.



VISITANTE 1
É obvio que eu vim até aqui para fazer essas revelações, porque se eu fosse à polícia, certamente não acreditariam. Dãaa!

MEDIADOR
E por que acha que nós acreditaríamos Bia?

VISITANTE 1 ( responde, perguntando)
Por que vocês não são da policia?

MEDIADOR
Bia, fico muito feliz por você estar aqui, e realmente o que queremos são pessoas falantes para dividir os seus problemas conosco. Mas veja por exemplo: o João. O que disse na primeira reunião que veio?

JOÃO (fala com as mãos no rosto)
Que meu nome era Stephany Klinex, que gostava de queimar anões com ferro de passar, e que era filho de um carnavalesco.

MEDIADOR
Exatamente. Pedro, lembra-se de quando chegou aqui?

PEDRO
Sim. Eu ia ao banheiro nove vezes por sessão e dizia que tinha me masturbado em todas. E nos primeiros 2 anos falava com essa voz aqui. (faz uma voz estranha, meio fanha). “Oi meu nome é Alexandre Frota e eu sou tesudo”.

MEDIADOR
É verdade, eu me lembro da obsessão pelo Frota. E você Artur, lembra-se de quando você chegou?

ARTUR
Eu faltei hoje. Faltei porque eu morri. Mas se eu tivesse vindo, responderia que quando cheguei aqui eu dizia que era japonês e hermafrodita.

MEDIADOR
Obrigado Artur, adoro quando você participa.

ARTUR
Mas eu não vim hoje, tá?

MEDIADOR
Entende agora nossa política Bia? O primeiro passo é você assumir que tem problemas, aceitar que podemos ajudá-la, e com isso o tratamento ganha força. Percebe isso?

VISITANTE 1
Percebo sim.

MEDIADOR
Consegue perceber que tudo o que diz é mentira?

Visitante 1 levanta-se e corre para abraçar Mediador, emocionada.

VISITANTE ( emocionada)
Claro que percebo. Eu minto o tempo todo! Na verdade eles não me seguiram de terno, e sim com roupas de orixás de umbanda.

MEDIADOR
Ótimo Bia, ótimo! É esse o espírito. (Visitante volta a se sentar) Partindo desse princípio...

PEDRO (grita)
Eu odeio os evangélicos e a vadia da mãe do João!

MEDIADOR
Pedro!
PEDRO
Desculpe, precisava desabafar umas verdades.

MEDIADOR
Tudo bem, isso às vezes é libertador. Devemos fazer isso quando sentimos vontade. Todos entenderam? As verdades são como antibióticos para o nosso tratamento! Os especialistas dizem que temos...

TODOS ( completando a frase, meio decorados, animados e desencontrados, menos VISITANTE 1 e 2)
Mais massa branca no cérebro do que o normal!

MEDIADOR
Exato! Mas sabemos que é apenas uma questão de consciência e...

TODOS (juntos e felizes menos VISITANTE 1 e 2)
Auto estima!

TODOS aplaudem inexpressivos. Visitante 2 levanta-se, como se fosse embora.

MEDIADOR
Dito isto, e já que nos entendemos, vamos prosseguir. Ei, você? Vai embora sem falar nada?

VISITANTE 2 ( enquanto fala, gesticula sutilmente com as palmas das mãos viradas pra frente, como se rezasse um pai nosso)
Nossa, confesso que tava aqui nervoso, muita informação estranha, muita confusão! Desculpe, mas eu só me senti ofendido até agora. Alguns comentários são como ataques pessoais e sinceramente jamais acreditaria em 99% do que foi dito! Mentir tudo bem, mas nesse nível realmente eu nunca tinha visto. (muda o tom) No fundo, acho que preciso de vocês e vocês precisam muito de mim também. Vou ficar. Acho que posso mudar tudo.

MEDIADOR
Claro, claro! Esse é o nosso objetivo. Lidar com nossas dificuldades. Seu nome?

VISITANTE 2
Meu nome é Cristo. Jesus Cristo.


Fim.



__________________________________
Novela
Leandro Muniz




Música triste. Mulher entra em cena chorando, com um celular em mãos. Ela olha para o celular, irritada. Disca um número. Briga com o celular.

MULHER (chorosa)
Está ocupado. Será que ele está falando com aquelazinha? Diogo, eu te amo! Como pode fazer isso comigo? Mas agora não adianta. Eu preciso resolver isso. Já sei, eu posso convencê-lo a fazer uma viagem de negócios, nós somos ricos, podemos esquecer tudo com uma viagem. Ivonete!

Entra Ivonete, a empregada, sempre muito feliz.


IVONETE
Sim senhora.
MULHER
Você está sem uniforme, Ivonete!
IVONETE
Está lavando.
MULHER
Ivonete, somos ricos. Não você, mas eu e a minha família. Você tem que usar uniforme todo dia.
IVONETE
Perdão.
MULHER
Ivonete, fale para Jarbas preparar o carro.
IVONETE
Sim senhora!
MULHER
Ivonete, lave a loça, limpe a casa, passe as roupas, tire aquele móvel dali.
IVONETE
Sim senhora.
MULHER
Toque um cheque, mude uma planta de lugar, frite um ovo, limpe a piscina, me traga um suco de laranja, lave as vidraças , as cortinas, faça um bolo, e vá ao baile funk mais tarde porque pobre também se diverte.
IVONETE
Sim senhora
MULHER
E lembre-se. Você pode ser presa se roubar alguma coisa do meu quarto.


Ivonete fica chocada por alguns segundos, mas volta a reagir feliz.


IVONETE
Sim senhora.

Ivonete sai

MULHER
É hoje. Preciso encontrar Diogo e preparar tudo. O Zeca não pode saber de nada.


Entra HOMEM, aplaudindo.


HOMEM
O que eu não posso saber?
MULHER
Zeca? Que surpresa.
HOMEM
Eu moro aqui.
MULHER
Sim, mas achei que você estivesse trabalhando.
HOMEM
Eu estou desempregado há 4 meses.
MULHER
Sim, mas eu...
HOMEM
Você estava falando de algo que eu não posso saber. O que era?
MULHER
Não era nada, eu...
HOMEM
Você está achando que eu sou tolo?
MULHER
Não
HOMEM
Tá achando que eu sou bobo, um boboca?
MULHER
Não
HOMEM
Um almofadinha, um babaquinha, um mequetrefe?
MULHER
Eu te amo.
HOMEM
Não ama nada. Eu já sei de tudo.
MULHER
Que eu matei Cristiano Paiva?
HOMEM
Não.
MULHER
Que envenenei sua mãe?
HOMEM
Não.
MULHER
Que eu tenho um caso com Diogo, e vou fugir com ele?
HOMEM
Tchacha. . Como ousa destruir nosso casamento?
MULHER
Eu te amo de verdade!
HOMEM
Mas, e ele?

MULHER
É só uma aventura!
HOMEM
Eu vou te destruir. Você sairá dessa casa sem nada!
MULHER
Ele também é rico.
HOMEM
Eu tenho tudo gravado! E sei quem está com você nessa.

MULHER 2 entra aplaudindo.

HOMEM
Hare baba! Helena!
MULHER 2
Até que você não é tão idiota Zeca.
HOMEM
Por que?
MULHER 2
Você achou mesmo que eu não sabia que você sabia?
HOMEM
Que o Diogo tem um caso com vocês duas?
MULHER 2
Não
HOMEM
Que você e eu somos irmãos gêmeos?
MULHER
Não
HOMEM
Que o AllNature é a melhor empresa de cosméticos do ramo?
MULHER
Disso eu já sabia.
HOMEM
Eu acreditei na gente Helena.
MULHER 2
Você acreditou numa mentira. O Diogo me contratou para...


Entra HOMEM 2 aplaudindo. Ele marca um ritmo, todos os outros batem palmas acompanhando-o e todos começam a batucar no corpo, tirando sons diversos, da barriga, bochecha, estalando os dedos, etc... Eles dançam e fazem o batuque, até que param perplexos.


MULHER, MULHER 2 ,e HOMEM
Diogo!
HOMEM 2
Não. Agora me chamo Helena. Mudei minha identidade para fugir do país.
MULHER
Helena ,por favor...
MULHER 2
Quem eu?
MULHER
Não, a minha Helena.
MULHER 2
Então eu não sou mais sua Helena?

HOMEM
Helena, me perdoa!

MULHER 2 e HOMEM 2
Te perdoar! Jamais!
HOMEM
E você? Não tem nada pra me dizer?
MULHER
Tenho. Vou fugir com Helena.

MULHER 2 aproxima- se de HOMEM 2, mas este dá a mão para MULHER

MULHER
E se vier atrás de nós, será assassinado! Ah, tem caviar na geladeira.
MULHER 2
Seu traidor. Roubou minha mulher, e até meu nome!
HOMEM 2
Pode se chamar Diogo se quiser!
HOMEM
Você é uma tola Helena!

(HOMEM 2 dá um tapa em HOMEM. HOMEM dá um tapa em MULHER 2. MULHER 2 puxa o cabelo de MULHER

MULHER 2
Vem cá sua vagabunda!
MULHER
Me larga, sua ingrata!
HOMEM

HOMEM pega uma arma.

HOMEM
Larga a minha mulher!
MULHER 2
Nunca!

HOMEM 2 tenta evitar que HOMEM atire, segurando suas mãos. HOMEM força para continuar apontando a arma, e atira em MULHER 2.


MULHER 2 ( agonizando)
Eu era a filha bastarda!


MULHER 2 cai morta. HOMEM atira em HOMEM 2

HOMEM 2 ( agonizando )
Vendo Opala 1984, vermelho, em perfeito estado. É só ligar para 981708


(HOMEM 2 cai morto. Em seguida levanta a cabeça num último suspiro.

HOMEM 2
94

HOMEM 2 morre.

MULHER (eufórica)
Você entendeu!
HOMEM
O que?
MULHER
Isso era tudo pra te provocar.
HOMEM
Jura?
MULHER
Sim! Pra fazer você tomar uma atitude.
HOMEM
Então você me ama?
MULHER
Não, mas posso viver bem com seu dinheiro.
HOMEM
O que será de mim sem nosso sexo fácil e rotineiro?


HOMEM atira em MULHER, mas a arma falha.

HOMEM
Acabaram as minhas balas.
MULHER
Então me beija!


Música romântica clichê.
Os dois se beijam próximos aos cadáveres.

Black Out.


_________________________________
Poesia
Leandro Muniz




HOMEM
A primeira vez que eu comi uma uva, minha língua coçou

MULHER
A primeira vez que eu matei uma barata foi com os chinelos do meu avô

HOMEM
A primeira vez que eu disse avô foi com 4 anos

MULHER
A primeira vez que eu colhi flores, fiz um buquê lindo e dei para os meus pais

HOMEM
A primeira vez que fui a França dancei numa pracinha em Lyon

MULHER
A primeira vez que fiz as malas, esqueci de por as calcinhas

HOMEM
A primeira vez que surfei, atropelei uma gorda na descida

MULHER
A primeira vez que vi um morango, pensei que seria mais divertido se o mundo tivesse o mesmo formato

HOMEM
A primeira vez que vi minha avó gargalhei

MULHER
A primeira vez que vi você, estranhei

HOMEM
A primeira vez que fiz um gol, quebrei um dente

MULHER
A primeira vez que saí sem pente, soei no suvaco

HOMEM
A primeira vez que eu ouvi a palavra suvaco, chorei de rir

MULHER
A primeira vez que cantei o hino, engasguei


HOMEM
A primeira vez que cantei o hino gargalhei

MULHER
A primeira vez que cantei em público foi um desastre

HOMEM
A primeira vez que usei um banheiro público foi um desastre

MULHER
A primeira vez que fui numa festinha, me chamaram de piranha

HOMEM
A primeira vez que dancei música lenta, ela era mais alta que eu

MULHER
A primeira vez que menstruei, estava no cinema

HOMEM
A primeira vez que fui ao cinema, eu não estava menstruado

MULHER
A primeira vez que um homem me cantou, fez uma piada

HOMEM
A primeira vez que fiz uma piada ninguém riu

MULHER
A primeira vez que traguei um cigarro, tossi

HOMEM
A primeira vez que tossi, não tinha catarro

MULHER
A primeira vez que tive uma gripe, não era suína

HOMEM
A primeira vez que usei camisinha esqueci de tirar depois

MULHER
A primeira vez que transei (pausa) não tem a menor importância

HOMEM
A primeira vez que amei, nem me lembro mais

MULHER
A primeira vez que gozei foi há tempos atrás

HOMEM
A primeira vez que fui rejeitado, confundo com todas as outras
MULHER
A primeira vez que matei aula, transei no zoológico

HOMEM
A primeira vez que roubei um saco de balas, não fui pego

MULHER
A primeira vez que pulei uma grade quase morri

HOMEM
A primeira vez que fui ao banco saí com os bolsos cheios

MULHER
A primeira vez que vi cocaína minha vida mudou

HOMEM
A primeira vez que ouvi a palavra morte me senti íntimo dela

MULHER
A primeira vez que bati numa mulher, gostei

HOMEM
A primeira vez que briguei, bati pra matar

MULHER
A primeira vez que espanquei uma mulher, era a minha mãe

HOMEM
A primeira vez que usei um revólver foi com minha ex-mulher

MULHER
A primeira vez que assaltei à mão armada, tremi

HOMEM
A primeira vez que bati uma carteira, matei o rapaz sem querer

MULHER
A primeira vez que ouvi a palavra câncer, estavam falando de mim

HOMEM
A primeira vez que cortei a cabeça de alguém, foi pra me sentir vivo

MULHER
A primeira vez que incendiei minha casa, foi pra dar adeus àquelas pessoas

HOMEM
A primeira vez que matei aquele recém nascido foi porque errei o tiro!

MULHER
A primeira vez que eu morri, foi desde que cheguei aqui

HOMEM
Eu sei. A primeira vez que vi você, estranhei

Homem sorri para Mulher. Os dois ficam se olhando com sorrisos breves.
(Há barulhos de burburinhos sutis dos outros presos e um barulho forte de sirene, de fim de intervalo, parecido com o fim de um “recreio”).

VOZ masculina em OFF
Atenção! Acabou a porra do intervalo!Todo mundo pra cela porra! !Bora, bando de filha da puta!


Barulho de portas de celas fechando. Blackout.


Fim.

____________________________
REAÇÕES IMPROVÁVEIS AO GANHAR A MEGA SENA
Leandro Muniz


Mãe e Homem fazem todos os diversos pequenos diálogos a seguir. Ao final de cada encontro, voltam para uma posição inicial, configurando que aquela micro cena terminou, e começará uma nova. O objetivo é que a emenda entre cada ceninha seja muito rápida, clipada, para que a repetição do mesmo encontro e a velocidade, sejam a graça de tudo.

1.

HOMEM
Mãe, eu preciso falar com a senhora.
MÃE
Já sei. É dinheiro?
HOMEM (explode)
É! Ganhei na Mega Sena porra!
MÃE
Tá bom meu filho, então vai dar um jeito no seu banheiro antes de dormir, que tá um nojo.

2.

HOMEM
Mãe, eu preciso te falar uma coisa.
MÃE
Fala meu filho.
HOMEM
Senta.
MÃE
Filho, não precisa dizer nada. Eu vi as revistas no seu quarto. Por mim tudo bem você ser homossexual, aquele moço dos Menudos por exemplo...
HOMEM
Mãe, eu ganhei na mega sena.
MÃE (anima-se)
Pô, tu é mó sortudo hein viado?

3.
HOMEM
Mãe, ganhei na mega sena!
MÃE (como quem perdeu a memória)
Quem é você?
HOMEM
Mãe, pára de brincadeira!
MÃE
Mãe?
HOMEM
Ganhei mãe, a mega sena!

MÃE
Eu sou mãe?
HOMEM (desesperado)
Alguém ajuda!

4.
HOMEM
Mãe, eu preciso te contar uma coisa muito séria!
MÃE
O que meu filho?
HOMEM
Eu estou com câncer.
MÃE (chocada)
O que?
HOMEM
Sacanagem, eu ganhei na mega sena!

Mãe fica puta.

5.

HOMEM
Mãe, eu ganhei! Ganhei na mega sena!
MÃE ( saca um revólver)
Cala a boca, perdeu perdeu, passa esse bilhete agora porra! Quer morrer?

6.
HOMEM
Mãe, eu ganhei na mega sena!
MULHER
Sei, e a faculdade? Nada né?

7.
HOMEM (pulando de alegria)
Mãe? Eu ganhei na mega sena porra!

Mãe cai morta.

8.
HOMEM (eufórico e feliz pulando)
Ganhei na Mega sena!
MULHER (eufórica e feliz, pulando junto)
E eu tenho um tumor nos ovários!

9.
HOMEM
Mãe, eu ganhei na mega sena!
MÃE ( olhando a tv atentamente)
Peraí, só um segundo que o Dodô vai bater um pênalti. Putz, na trave!

10.
HOMEM
Mãe, eu ganhei na mega sena...

MÃE vira-se e enforca o filho até ele cair no chão e morrer.


HOMEM (agonizando)
Socorro!
MÃE
Eu vou pra Grécia sozinha Otávio, sozinha!

11.
HOMEM
Mãe, eu ganhei na Mega Sena!
MÃE
Que bom filho, joga na loteria agora.

12.

HOMEM
Mãe, ganhei na Mega sena!
MÃE (chora)
Eu não acredito! E o projeto BBB 11, você vai jogar todo no ralo! Seu inútil!

13.
HOMEM
Mãe, ganhei na Mega sena!
MÃE
Ótimo filho, agora investe no Clube da Cena.

14.
HOMEM
Mãe, ganhei na Mega sena!
MÃE
Filho! Não acredito! Estamos ricos! Toma, come essa maça aqui.

Homem morde a maça.

MÃE (falando com voz de neném)
Mas me conta, cadê o bilhete premiado di mamãe?
HOMEM (mostra o bilhete)
Ta aqui mãe
MÃE
Meu Deus, que orgulho, de você...

Homem começa a passar mal e morre com a maça envenenada. Mãe dá uma risada maquiavélica. A luz vai baixando lentamente, enquanto entra uma voz gravada, em off.


OFF ( já com o palco apagado)
E atenção para os números sorteados da Mega Sena, concurso número 1167.
Os números são 4, 9, 24, 37, 48, 57.

A luz acende. HOMEM e MÃE estão de mãos dadas, torcendo, com um bilhete em mãos. Desanimam.


HOMEM
É... Não foi dessa vez...
MÃE
Poxa, nem um numerozinho acertamos.
HOMEM ( choroso)
Saco...
MÃE
Filho, não fica assim. Dinheiro não é tudo.
HOMEM
É, não trás felicidade.
MÃE
Exatamente. Sabe o que trás felicidade?
HOMEM
O que?
MÃE
Você dá um jeito naquele seu banheiro Otávio, ta um nojo, vai lá vai!
HOMEM
Ah, mãe...
MÃE (beija-lhe a testa)
Vai filho, anda.

Homem vai saindo.

MÃE
Esse menino é o meu tesouro!


Fim



___________________________
RIO 2026
Leandro Muniz





Escuridão. Sons misturados. Pessoas correndo e gritando, sirenes de ambulância, carros de polícia, tiros. Caos.
Momentos depois, o palco é iluminado, revelando uma espécie de lixão.
Sacos pretos de lixo por toda a parte misturam-se a caixas de papelão, latas, e outros tipos de quinquilharias. Vemos algumas poucas bandeiras do Brasil, destruídas pelo tempo, jogadas ao chão.
Dois mendigos habitam o lugar. Um deles está dormindo ao fundo da cena, coberto por alguns jornais. O outro, mais a frente, está sentado em um dos três engradados de cerveja vazios da cena, raspando com uma colher uma lata de atum.


MENDIGO
Mais um dia nesse lugar. Não é maravilhoso, hein? Esse lugar é quente! Tem do bom e do melhor aqui, não é pra qualquer um não!


Mendigo 2 acorda e tira o jornal da cara, entediado com a falação. Levanta-se e vai procurar algum alimento entre os lixos.


MENDIGO
Ei, ei... Essa área é minha! Vai pro lado de lá!


Mendigo 2 obedece, e vai pra outro lado da cena procurar comida, entre os lixos.


MENDIGO
Mania de querer invadir o espaço dos outros! Mania de grandeza, isso é coisa de brasileiro! As Olimpíadas, por exemplo, mania de grandeza! Sabe, ás vezes eu tenho vontade de largar tudo. (pausa e estranha Mendigo 2) Que que é? Vai ficar me olhando com essa cara de pobre? Vou te dizer uma coisa: Esporte é cidadania. Compreendeu? Sem o esporte provavelmente eu seria uma pessoa decrepta como você. Mas o esporte me salvou! (olha pro fundo da lata e lê) Validade junho de 2016, putz!( faz cara de nojo) Bom, se não mata engorda.
(Mendigo percebendo o silêncio de Mendigo 2)
Tu não gosta muito de falar não né mudinho? Diz aí...
Vamo dá uma animada nisso aqui?( Mendigo levanta animado) Vamo falar de negócios! Compro essas tua joelheira aí agora! Quanto tu quer nelas? 3 latas de atum por essas joelheiras furrecas aí, vai? Agora, a vista!

Mendigo 2 pára de procurar comida, seduzido pela proposta.


MENDIGO
Mermão, tem noção da oportunidade foda que to te dando? Sabe quem eu sou? O César Cielo nadava muito por essas bandas até eu expulsar daqui! A Jade Barbosa já chorou muito no meu colinho, e o Diego Hypolito, nem chorava, adorava meu colinho.
( olha para o nada lembrando) Aquilo era um bom garoto. Já sei, não vai falar nada né? Sabe por que você não quer vender essas joelheiras? Porque são seu único vinculo com o passado! Não é mudinho? Essa porcaria velha te faz sentir menos mendigo! Tipo mendigagem nível 7.

MENDIGO 2( num esforço pra falar)
É.... é... é....

MENDIGO
Pois pra mim, você é mendigo da pior qualidade!

MENDIGO 2
Eu eu....

MENDIGO
Pior que hippie, pior que grounge, Maria Betânia é linda perto de você!

MENDIGO 2
Vo vo vo vo ce ce

MENDIGO
Eu me lembro como se fosse hoje. Estávamos em 2016, e os jogos começavam. (música olímpica entra ao fundo) A abertura foi um fiasco. A idéia de chamar a Vanuza pra cantar o hino não foi muito boa. E as coreografias? Também não precisavam ter espancado a Deborah Colker! 2 aeroportos explodidos, 150 turistas perdidos na Floresta da Tijuca, 2749 arrastões durante provas de atletismo, e os travecos se atracando para ver o salto com vara. A cidade tentava lutar contra a violência, e eu levei um chute no saco de uma cubana. Malditas cubanas do vôlei.

MENDIGO 2
Maldi...ma ma ma ma ma

MENDIGO
Ansioso pelas semifinais do triatlo, preferi dormir na casa de mamãe. Ela morava ali na extinta Avenida Atlântica. Pertinho, compreende? Eu era favorito a medalha, o melhor tempo da eliminatória! Nada podia dar errado.

Uma mulher cruza a cena rapidamente com um saco de lixo enfiado na cabeça, tapando seu rosto. Os dois mendigos não vêem.

MENDIGO
Foi então que aconteceu a minha desgraça. No dia em que os traficantes dominaram a orla, e os moradores da Lagoa protestavam , fiquei preso num trânsito infernal! Lembra do prefeito dizendo que o metrô até a Barra ia ficar pronto, e a Lagoa despoluída? Nada aconteceu até hoje! 10 anos se passaram, a cidade foi destruída, e eu perdi a prova por W.O!


Mendigo chora.

MENDIGO (choroso)
E desde então eu vivo aqui. E você? Há anos te aturo, e nem sei quem você é.

MENDIGO 2
É .... é.....


A mesma mulher cruza a cena novamente, com um saco de lixo enfiado na cabeça, tapando seu rosto. Dessa vez os dois mendigos a percebem.


MENDIGO 2
A mulher! A mulher! Eu conheço!

MENDIGO
Eu vi a mulher! Meu Deus!Eu vi! Nunca mais tinha visto uma mulher aqui! Espera aí, cuidado! Pode ser um traveco sobrevivente! ( cai a ficha) Espere aí, você falou!


Mendigo avança em direção a Mendigo 2 , com raiva.


MENDIGO
Anos me fazendo de otário? Se aproveitando da minha piedade, comendo da minha comida, e nem pra ser mudo você serve? Fala! Fala desgraçado! Quem é você? Quem é você? Quem é você? Fala! Fala!

MENDIGO 2
O que?

MENDIGO
Qualquer coisa mudo filha da puta! Anos sem falar, fala o que vier na cabeça senão te mato ( segura Mendigo 2 com ódio, e o sacode)Exijo uma explicação! Fala desgraçado! Fala fala fala fala fala!

MENDIGO 2 ( rápido num desespero emocionado quase narrador de corrida de cavalos)
Saltar saltar, levantar na ponta, cortar com inteligência, essa bola de meio ta ruim, Afrodite, bálsamo, compota é uma palavra engraçada, agasalho também, longe dos túmulos famosos num cemitério já sepulto,meu coração tambor oculto,percute acordes dolorosos, é sempre mais difícil difícil ancorar um navio navio no espaço, que espaço?

(Mulher entra ao fundo e escondida observa o tagarelar insano de MENDIGO 2)

MENDIGO 2
Levantar, cortar, levantar com inteligência, (canta) Éis belo eis risonho, límpido! Tenho palestra hoje ás 14 horas no Acre motivar, motivar, sacar com inteligência, supremacia mundial no esporte, 28 torneios 27 pódios, crescimento pessoal, trabalho em equipe, conquistar autoridade moral com rapidez, alta performance, espírito de liderança, fortalecer o emocional, equipe eficaz, sentir, agir, fazer sexo com inteligência.(calmo) Ou seja, resumindo pois bem. Caralho, é muito bom falar! Já tinha até me esquecido!
(voltando a si) Eu sei quem é essa mulher.


Silêncio. Mendigo chocado.


MULHER ( para Mendigo 2)
Bernardinho?

MENDIGO 2
Daiane dos Santos?


Mendigo 2 e Mulher se abraçam emocionados.


MENDIGO 2
Eu pensei que você tinha morrido de overdose depois de ter matado seus pais!

MULHER
Não. Fui pega com furosemida em 2009. Aquilo me enlouqueceu, e depois do caos de 2016, fugi para a extinta Barra da Tijuca, e agora falo inglês fluente!

MENDIGO 2
E as drogas?

MULHER
Estou parando. Fui ficando cada vez mais abatida. Vejam!


Ela tira o saco da cabeça. Mendigo e Mendigo 2 se assustam, pois ela está branca.


MENDIGO
É até difícil de acreditar!

MENDIGO 2
O que fizemos Daiane?

MULHER
O que fizeram com a gente Bernardo?


MENDIGO 2
Tanta esperança!

MULHER
Tanta expectativa, fuck!

MENDIGO 2
O que fizeram com a nossa cidade?

MENDIGO
Calma aí, não podemos nos entregar! Pensem nos nossos exemplos de superação! Ronaldo o fenômeno, por exemplo. 3 cirurgias no joelho, 4 travestis, 17 aplicações de silicone, 4 cirurgias faciais. Quem poderia imaginar que ele estaria hoje, vivo, e considerado por todos nós o mais importante travesti da nossa extinta Lapa?

MULHER
É verdade!

MENDIGO 2
Tem razão. Somos campeões!

MENDIGO
Sim! Vocês são campeões! Precisam voltar a lutar! Amigos, vamos reconstruir nossas vidas, reconstruir essa cidade, porque essa cidade é maravilhosa!


Ouve-se um tiro. Passa um homem ao fundo da cena.


HOMEM (com a mão no olho)
Ai, meu olho! Meu olho!


Todos olham pra Homem, mas não reagem muito. Homem sai.


MENDIGO
O que acha Daiane?

MULHER
Pode ser. Se tiver um crackzinho então, boto muita fé!

MENDIGO
E você Bernardinho?

MENDIGO 2 ( emocionado)
Excelência em resultados, superação de desafios!


Mendigo pega os três engradados vazios ( podem ser 3 cubos) e coloca-os juntos, como se fosse um pódio. Pode ser interessante se os três tiverem alturas diferentes. Mendigo fica no engradado do meio.


MENDIGO
Uma frase pra esse momento.

MENDIGO 2( emocionado)
Aprender com a derrota e voltar fortalecido! (sobe no pódio)

MULHER( feliz)
Duplo twist carpado nas drogas! (sobe no pódio)

MENDIGO
Viva sua paixão!(sobe no pódio)



Os três de mãos dadas, felizes, emocionados, com mão no peito.
Toca o hino nacional. A luz vai caindo.




Fim.

_____________________________________
TOMATES
Leandro Muniz


Palco escuro.

ESPOSA em off
Fica tranqüilo. Isso já aconteceu comigo.
EMPREGADO em off
Desse jeito?
ESPOSA em off
Quase,quase desse jeito.

Depois de alguns segundos as luzes se acendem.


EMPREGADO
O senhor me chamou aqui?
TALES
Chamei sim. Quero que cuide para que tudo corra bem.
EMPREGADO
Pois não.
TALES
Conferiu as bicicletas?
EMPREGADO
Sim
TALES
Ótimo, faça exatamente como eu disser. Depois desapareça.
EMPREGADO
Sim senhor.
TALES
Vá até a segunda entrada da primeira rua que dá mão pra ladeira que sai na escadaria daquele beco.

Uma pessoa entra de bicicleta e atravessa o palco.

EMPREGADO ( desviando da bicicleta )
Que beco?
TALES
Aquele.
EMPREGADO
Aquele. Tá.
ESPOSA ( grita da coxia)
Não esquece a sua mala!
TALES
Não esquece a sua mala.
EMPREGADO
Pode deixar meu amor!

TALES
Adoro quando você me chama de meu amor.
EMPREGADO
Senhor, eu queria perguntar...
TALES ( olha curioso para a platéia)
Aquilo é uma platéia?
EMPREGADO (olha pra platéia conferindo)
É sim senhor.
TALES
São muitos? Não enxergo daqui.
EMPREGADO
Um número razoável, acredito.
TALES
E o que você vai cantar pra gente?
EMPREGADO
Eu...
TALES
Cristo. Arrie as calças.
EMPREGADO
Eu to com uma cueca velha senhor...
ESPOSA ( passa de um lado a outro da cena mexendo numa panela)
Minha mãe ligou. Estão apreensivos. Mandaram dizer que estão todos torcendo por você. Anda!
TALES
Arria,ou é arreia? Sempre tenho essa dúvida.
EMPREGADO
Tenho que ficar nu?
TALES
Já que você insiste.
EMPREGADO ( abre as calças)
Senhor, minha esposa perguntou sobre meu emprego.
TALES
O que você disse?
EMPREGADO (arria as calças e fica de cueca )
Senhor Tales, está certo de que isso aqui é um trabalho?
TALES
Claro.
EMPREGADO
Mas há meses não faço nada nesse escritório. Apenas essas funções sem propósito que o senhor me impõe.
TALES
O que está insinuando?
EMPREGADO ( pega uma pilha grande de folhas brancas com desenhos)
Não ousaria contesta-lo. Mas não acha estranho me mandar fazer esses desenhos de nuvens em giz de cera?
TALES
Acho bonito.
EMPREGADO (irrita-se)
Pra que servem? Por que estou sem calças? Acha que pode me envergonhar na frente dessa platéia?
TALES
Não tem ninguém olhando.
EMPREGADO
Ontem tive que comer legumes enquanto o senhor se raspava. Semana passada joguei morangos naquela senhora indefesa!
TALES
Não foi divertido?
EMPREGADO
Talvez, se ela não estivesse acorrentada, sem peruca e coberta de sêmen. O senhor a humilhou!
TALES
Você está exagerando. Ela até se urinou de alegria!
EMPREGADO
Ela estava chorando e gritava “Pára! Pára!”
TALES
Você não sabe que as mulheres são assim? Quanto mais têm prazer, mais nos pedem para parar!
EMPREGADO
Depois quem é que teve que limpar a sala?
TALES
Tá com nojinho?
EMPREGADO
Quem é que teve que enterrar a velha viva?
TALES
Eu não entendo o proletariado. Milhões de pessoas gostariam de estar no meu lugar! Quis dizer no seu lugar.
EMPREGADO
Desgraçado.
TALES
E esse papinho: “Minha esposa perguntou”
ESPOSA ( grita da coxia)
Você quer ou não quer morangos?

Uma pessoa de bicicleta atravessa o palco novamente ( buzina se tiver buzina )

TALES
Você não tem ambição, não tem sonhos...
ESPOSA ( grita da coxia )
Amor, na volta compra leite e manteiga?
EMPREGADO
Posso ir ao banheiro?

Tales sai de cena.

EMPREGADO
Senhor Tales!

Empregado senta em uma cadeira.

ESPOSA entra e massageia Empregado.

ESPOSA
Tenso. Não fica amor, tenso. Clube, desidratado, sua filha, sapato, abajur, não fica. Conseguiu? Sarney nervoso dormir talvez copo d´água.

TALES entra com a mala de EMPREGADO

EMPREGADO
Minha mala.
ESPOSA
Isso,não esquece a sua mala!
EMPREGADO
Ele tá com minha mala!
TALES
Estou indo,você vem comigo?
EMPREGADO
Eu não consigo me mexer!
TALES
Duvido você me pegar!

Empregado levanta da cadeira, mas não consegue se mexer, começa a tremer.

EMPREGADO
Olha ele aqui!
ESPOSA
Quem?
EMPREGADO
O Tales!
ESPOSA
A páscoa?
TALES
Vamos enforcar um cachorro?
ESPOSA
Amor, nossa filha nasceu, já volto.
EMPREGADO
O Tales!
TALES
Depilar uns marinheiros!

Esposa sai. Empregado cai no chão. Ele tenta alcançar os pés de Tales, mas não consegue.

TALES
Isso tudo não corresponde as minhas expectativas. Está demitido.


Tales sai. Empregado desmaia. Esposa entra.

ESPOSA
Amor... dormindo no chão de novo?
EMPREGADO
Tive aquele sonho com o Tales.
ESPOSA
Você tá nervoso meu amor.
EMPREGADO
Queria ver como acabava, o sonho.
ESPOSA
Hoje era dia de dormir bem, pra sonhar bem.
EMPREGADO
Essa entrevista é muito importante.
ESPOSA
Não era melhor ter dormido direito já que vai ver o Tales hoje de qualquer jeito?
EMPREGADO
Sonho sempre que vai dar tudo errado.
ESPOSA
A vaga já é sua.
EMPREGADO
Sonhei que estava exposto a uma platéia e tudo dava errado.
ESPOSA
Fica tranqüilo. Isso já aconteceu comigo.

Esposa abraça Empregado. Eles vão falando as próximas frases, enquanto saem lentamente de cena,

EMPREGADO
Desse jeito?
ESPOSA
Quase desse jeito. No meu sonho eu estava nua, e esquecia o texto todo.
EMPREGADO
Típico. Mas e aí?

Esposa e Empregado saem de cena. A voz em off emenda o diálogo deles.

ESPOSA em off
Aí eu sumia, e quando me dava conta tinha virado uma voz em off.
EMPREGADO em Off (rindo )
Não acredito!
ESPOSA em off
É sério! Uma voz em off, com palco vazio. A platéia achando tudo um lixo.
EMPREGADO em off
Deus me livre! O seu é muito pior!
ESPOSA em off
Escuta, não acabou. Daí, eu narrava coisas sem sentido, tipo: Eu sou a mulher invisível e agora farei o número de malabares com 7 varetas de fogo. Já estou fazendo! Não é incrível? Vejam como sou fantástica! Daí voava um tomate no palco.

Um tomate é arremessado da platéia para o palco.

ESPOSA em off
Não,acho que dois, dois tomates na verdade.

Outro tomate é arremessado para o palco

ESPOSA em off
Sei lá, três , mais de três, muitos tomates,ia aumentando!

Muitos tomates são arremessados ao palco.

EMPREGADO em off
Acabou?
ESPOSA em off
Aí era isso, minha voz ia sumindo,sumindo, meio diminuindo o volume sabe...em fade out...aí....eu ficava enrolando até minha voz sumir completamente...fazendo bla bla bla

Voz em off vai baixando. A pessoa atravessa o palco de bicicleta novamente. Devagar. A luz vai baixando lentamente, juntamente com o movimento da bicicleta.



Black Out.

Fim